ATA DA VIGÉSIMA QUARTA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA TERCEIRA LEGISLATURA, EM 16-9-2003.

 


Aos dezesseis dias do mês de setembro de dois mil e três reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezessete horas e vinte e três minutos, constatada a existência de quórum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, em homenagem à Semana Farroupilha, nos termos do Requerimento nº 059/03 (Processo nº 1182/03), de autoria da Mesa Diretora, e para outorga do Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva ao Senhor José Edson Gobbi Otto, nos termos do Projeto de Resolução n° 029/02 (Processo n° 0158/02), de autoria do Vereador Reginaldo Pujol. Compuseram a MESA: o Vereador Elói Guimarães, 1º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos; o Senhor Vilson Martins, representante do Senhor Prefeito Municipal de Porto Alegre; o Arcebispo Dom Dadeus Grings, Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre; a Senhora Maria Hilda Marsiaj Pinto, Procuradora-Chefe da Procuradoria Regional da República; o Senhor Oscar Miguel Demaria Ferrari, Cônsul-Geral do Uruguai; o Senhor Álvaro Castellón, Cônsul-Geral do Chile; o Coronel Irani Siqueira, representante do Comando Militar do Sul; o Capitão Fábio Santos da Rocha Loures, representante do V Comando Aérea Regional – COMAR; o Senhor Pedro Lucena, Presidente da Liga de Defesa Nacional; a Senhora Patrícia Hexsel Rosa, 1ª Prenda Juvenil da 1ª Região; o Senhor Manuel Pedro da Silva Mello, representante do Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG; o Senhor José Edson Gobbi Otto, Homenageado; o Vereador Reginaldo Pujol, na ocasião, Secretário "ad hoc". Ainda, como extensão da Mesa, o Senhor Presidente registrou as presenças do Senhor Onésimo Duarte, ex-Presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho, do Senhor Ivo Benfatto, Diretor do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, e do Senhor Luiz Dexheimer, ex-Presidente do 35 CTG. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e, em continuidade, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Reginaldo Pujol, em nome das Bancadas do PFL, exaltou a atualidade dos valores que inspiraram os heróis do movimento de mil novecentos e trinta e cinco, enfatizando a necessidade da compreensão desses ideais pela juventude gaúcha. Ainda, analisou os objetivos que o levaram a propor a instituição do Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva, salientando a justeza da sua concessão ao Senhor José Edson Gobbi Otto. O Vereador João Carlos Nedel, em nome da Bancada do PP, parabenizou o Vereador Reginaldo Pujol pela proposta da concessão do Prêmio hoje entregue pela Casa, comentando a trajetória de vida do Senhor José Edson Gobbi Otto e elogiando a abrangência das atividades realizadas por Sua Senhoria, marcadas pela busca da pesquisa, preservação e divulgação da cultura gaúcha. Finalizando, lembrou fragmentos do poema "Pingos", de autoria do Homenageado. A Vereadora Margarete Moraes, em nome da Bancada do PT, aludiu ao significado do Acampamento Farroupilha, realizado anualmente na Cidade durante o mês de setembro, como veículo conscientizador e divulgador da história e dos mitos que envolvem a figura do gaúcho. Ainda, destacou a contribuição dada pelo Senhor José Edson Gobbi Otto na organização de eventos relacionados à cultura gaúcha em todo o Estado. O Vereador Cláudio Sebenelo, em nome da Bancada do PSDB, abordou as diferentes definições de gaúcho encontradas na literatura rio-grandense e brasileira, frisando que nessas definições observa-se a presença da mística e do sentimento patriótico e libertário e lembrando a proximidade entre a história e a cultura rio-grandense. Também, leu o poema "Ilharquipélago", de sua autoria. O Vereador Raul Carrion, em nome da Bancada do PC do B, historiou acerca das controvérsias observadas entre pesquisadores brasileiros quanto à filosofia que embasou a Revolução Farroupilha, especialmente com relação à predominância ou não de idéias separatistas e abolicionistas, afirmando ter sido este movimento progressista, republicano e federalista, sob a hegemonia dos proprietários rurais gaúchos, mas com forte participação popular. Após, o Vereador Reginaldo Pujol, presidindo os trabalhos, concedeu a palavra ao Vereador Elói Guimarães que, em nome das Bancadas do PTB e PDT, registrou a presença, na Casa, do Piquete de Cavalarianos do PTchêB. Também, relatou episódios da Revolução Farroupilha nos quais se destaca a defesa de uma ideologia federalista, ressaltando a importância de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, para a assinatura do Acordo de Paz de Poncho Verde. Finalizando, saudou o Homenageado, declamando o poema "O Chimarrão", de autoria de Glaucus Saraiva. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou o Senhor Luiz Dexheimer e o Vereador Reginaldo Pujol para procederem à entrega do Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva ao Senhor José Edson Gobbi Otto, concedendo a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Prêmio recebido. Após, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem a execução do Hino Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, agradeceu a presença de todos e declarou encerrados os trabalhos às dezenove horas e vinte e seis minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Elói Guimarães e Reginaldo Pujol, este nos termos do artigo 27 do Regimento, e secretariados pelo Vereador Reginaldo Pujol, como Secretário "ad hoc". Do que eu, Reginaldo Pujol, Secretário "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pela Senhora 1ª Secretária e pelo Senhor Presidente.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães – às 17h23min): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear a Semana Farroupilha, por proposição feita pela Mesa Diretora de outorga do Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva ao Sr. José Edson Gobbi Otto, proposto pelo Ver. Reginaldo Pujol.

Compõem a Mesa o homenageado, Sr. José Edson Gobbi Otto; o Sr. Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings; a Procuradora Chefe da Procuradoria Regional da República, Dra. Maria Hilda Marsiaj Pinto; o Ilmo. Sr. Cônsul-Geral do Uruguai, Dr. Oscar Miguel Demaria Ferrari; o Ilmo. Sr. Cônsul-Geral do Chile, Dr. Álvaro Castellón; o Ilmo. Sr. representante do Prefeito Municipal de Porto Alegre, Sr. Vilson Martins; o Sr. representante do Comando Militar do Sul, Coronel Irani Siqueira; o Sr. representante do V COMAR, Capitão Fábio Santos da Rocha Loures; o Presidente da Liga de Defesa Nacional, Sr. Pedro Lucena; a 1.ª Prenda Juvenil da 1.ª Região, Patrícia Hexsel Rosa; o representante do Movimento Tradicionalista Gaúcho - MTG, Sr. Manuel Pedro da Silva Mello. Demais pessoas aqui presentes, tantas figuras notáveis, o Onésimo Duarte, ex-Presidente do MTG; aqui, também, o Ivo Benfatto, que é Diretor do Instituto Gaúcho Tradição e Folclore; o ex-Presidente do 35, Luizinho Dexheimer, enfim, tantas figuras aqui, uma representação de oficiais da Aeronáutica, tradicionalistas, as nossas prendas e peões.

Estão presentes o Ver. Pedro Américo Leal, a Ver.ª Margarete Moraes, o Ver. Raul Carrion, o Ver. Reginaldo Pujol e o Ver. João Carlos Nedel. Portanto, sintam-se todos homenageados, sintam-se todos como se integrantes fossem aqui da Mesa da direção dos trabalhos.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Ouve-se o Hino Nacional.)

 

Também gostaríamos de registrar a presença do Ver. Dr. Goulart, do Alencar, que tem coordenado aqui a cavalaria no deslocamento da Chama Nativa aos diferentes órgãos oficiais da Cidade. Temos aqui também a presença do Eloir, aquele que, dois meses atrás, defendeu a nossa Bandeira, a Bandeira Brasileira, quando essa se incendiava. Receba a nossa saudação. (Palmas.)

Esta Sessão Solene celebra um dos mais notáveis acontecimentos político-militares, político-sociais no Estado do Rio Grande do Sul, a Revolução Farroupilha, e, no bojo desta celebração e desta homenagem, também se prestará uma homenagem a uma grande figura do nativismo, homem ligado às lides folclóricas e nativas do nosso Estado, também grande cantor, poeta e vencedor de diversas Califórnias. Está ao meu lado e receberá o Troféu Glaucus Saraiva, refiro-me ao nosso folclorista, amigo, ligado à defesa nacional, José Édson Gobbi Otto.

A autoria do Prêmio Glaucus Saraiva este ano, uma vez que o Prêmio é concedido a uma pessoa por ano, durante a solenidade da Semana Farroupilha, é do Ver. Reginaldo Pujol, que também é o criador do Prêmio Glaucus Saraiva.

Então, Ver. Reginaldo Pujol, saindo da ordem natural aqui posta, V. Exa. está com a palavra, como proponente da homenagem ao nosso tradicionalista, cantor, compositor José Edson Gobbi Otto.

 

O SR. REGINALDO PUJOL: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Evidente que não poderia iniciar o meu pronunciamento sem consignar, além das pessoas com assento à Mesa, algumas que merecem referência muito especial, a começar pelo Dr. Onésimo Carneiro Duarte, ex- Presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho e uma das pessoas que, ao longo do tempo, foi-me integrando ao tradicionalismo pela cultura, pelo entusiasmo e, sobretudo, pelo empenho com que se dedicou à causa tradicionalista. Sua presença entre nós, exatamente no dia em que a Casa comemora a Revolução Farroupilha, é um estímulo para o nosso trabalho. Muito obrigado pela presença, meu caro Onésimo. Da mesma forma, registro a presença, grata para todos nós, do Dr. Ivo Benfatto, Diretor do Instituto Gaúcho do Folclore; do meu particular amigo Alencar Feijó da Silva, Diretor da Confederação Brasileira de CTGs e das jovens prendas, a Franciele e a Tatiane, que, juntamente com a Patrícia, compõem esse trio maravilhoso que prestigia este evento. A todas vocês as nossas boas-vindas aqui na Casa.

Em 1995, Presidente Ver. Elói Guimarães, quando retornei a este Parlamento, percebi que tínhamos a necessidade de objetivamente nos somarmos ao entusiasmo, ao trabalho e à dedicação daqueles que vinham gradativamente afirmando o culto à tradição gaúcha como um objetivo permanente em nosso Estado. Foi nesse sentido que propusemos a Lei que, sancionada pelo Sr. Prefeito Municipal, obteve o número de 7.855, em 25 de setembro de 1996, que oficializava a Semana Farroupilha aqui em Porto Alegre e impunha, entre várias obrigações e compromissos, a realização da Sessão Solene anualmente durante os festejos da Semana Farroupilha. E é o que ocorre em mais um ano. Na oportunidade, fiz algumas afirmações que me parecem muito presentes. Eu dizia que a Revolução Farroupilha constituía-se num dos mais gloriosos movimentos da história da Pátria na busca de uma verdadeira emancipação política e econômica da Nação brasileira. Dizia mais: que os ideais sustentados pelos heróis de 1835 continuavam hoje mais vivos do que nunca, eis que a liberdade, a igualdade e a fraternidade são valores que continuam a ser perseguidos por aqueles que estão comprometidos com a luta pela formação de uma nação socialmente justa, economicamente livre, politicamente soberana e culturalmente desenvolvida.

A Revolução Farroupilha foi, equivocadamente e por muito tempo, apresentada como sendo um movimento separatista que pretendia desvincular o Rio Grande do resto do Brasil. Desmistificar essas infundadas afirmações é uma tarefa a ser desenvolvida junto aos jovens e também perante a opinião pública nacional. Nesse sentido, impõe que se esclareça que a tradição do Rio Grande do Sul não se limita ao uso da bombacha, a tocar gaita ponto, a beber chimarrão e a andar a cavalo. De fato, o movimento tradicionalista que a partir de 1947 surgiu no Rio Grande do Sul tem acentuado essas características que fazem parte da cultura gaúcha, mas também tem ensejado o estudo sobre o evento Farroupilha, suas causas, sua origem e suas conseqüências. É isto que estamos a fazer no dia de hoje. Este é o nosso objetivo; isto é, propiciar aos gaúchos em geral e aos jovens em especial que tomem conhecimento do alto significado histórico do Movimento de 35, bem como de seus fundamentos filosóficos que se constituem, indubitavelmente, na verdadeira “aurora precursora” nos ideais republicanos e democráticos da gente do Rio Grande do Sul. A luta contra o excessivo e abusivo centralismo político e econômico é a verdadeira base sobre a qual se erguerá o edifício da Federação brasileira, que só encontrará sua plena afirmação na medida em que os ideais dos Farrapos sejam divulgados, entendidos e proclamados por toda a Nação brasileira.

Preservar a tradição dos Farrapos constitui-se, portanto, em um gesto de brasilidade, e sua reafirmação não representará nunca a negação do patriotismo dos gaúchos comprovado ao longo da história em reiteradas oportunidades.

Nessa linha, e com igual objetivo, nós nos propusemos a ir um pouco adiante com a colaboração de fraternos amigos, entre os quais eu destaco, muito especialmente o Luiz Dexheimer que hoje aqui representa o Antônio Augusto Fagundes.

Com a ajuda desses amigos, Ver. Elói Guimarães, a gente foi um pouco mais longe: entendendo que nós não devíamos tão-somente promover o discurso da afirmação dos valores Farrapos, da filosofia que inspirou o movimento de 1835: era preciso que a atividade tradicionalista, que já era realçada pela imprensa gaúcha e nacional como sendo uma prova eloqüente da atualidade do pensamento Farrapo e também da importância do seu culto e da necessidade de sua divulgação e propagação, buscasse exemplos com os quais nós pudéssemos alcançar fortemente esses objetivos.

Foi nessa linha que instituímos o Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva com o claro objetivo de realçar e enaltecer as pessoas e as entidades que tinham alcançado destaque na consecução dos objetivos preconizados pela Lei anterior que se propunha a perenizar os objetivos da Revolução Farroupilha.

De outro lado, a designação do Prêmio com o nome do Glaucus Saraiva constituía-se numa justa homenagem ao grande precursor do tradicionalismo em nossa Cidade.

Fomos além: da mesma sorte em que homenageávamos, na ocasião, o Glaucus Saraiva, nós buscamos também homenagear o Antônio Augusto. O Antônio Augusto Fagundes como sendo o primeiro entre os premiados, sendo agraciado já naquele ano de 1996 com a homenagem que representava o reconhecimento da Casa à notável contribuição que o Nico Fagundes vinha dando, e continua dando, à expansão, à divulgação e à propagação do culto das gloriosas tradições Farroupilhas, fomos, lentamente, levando adiante esses objetivos.

Sucederam-se, meu caro Elói, ano após ano, as homenagens. Primeiramente, numa demonstração clara das minhas origens quaraienses, busquei no poeta Luiz Menezes, o homenageado do ano de 1997. Seguiu-lhe uma lenda viva do tradicionalismo rio-grandense, infelizmente, não mais conosco: Luiz Carlos Barbosa Lessa. Em prosseguimento, nos dobramos, Ver.ª Margarete Moraes, à importância da mulher em todo esse processo e pensamos na Elma Santana, o exemplo mais eloqüente da mulher engajada na luta tradicionalista. Fomos adiante, buscamos no Professor Mozart Pereira Soares, um dos ícones da causa tradicionalista, mais um exemplo para programar. Para o final, já recebendo contribuição de outros colegas, V. Exa., Ver. Elói Guimarães, haveria de contribuir em 2001, com a proposta e a indicação do Paulinho Pires, do Paulo José Dornelles Pires, compositor, músico e intérprete da música nativista, para ser o premiado naquela oportunidade. E, finalmente, no ano que passou, no ano de 2002, já com o Ver. Cassiá Carpes nesta Casa, distinguia-se Mário Rubi Battanoli Lima, cantor proclamado no Rio Grande como merecedor da Comenda de Glaucus Saraiva.

Vejam os senhores e as senhoras que nesse histórico eu me encaminho para uma justificativa absolutamente desnecessária, porque, indiscutivelmente, a pessoa a quem a Câmara Municipal está a homenagear este ano, o José Edson Gobbi Otto, dispensaria qualquer apresentação.

É que depois de ter homenageado o poeta, o compositor, o intérprete, o escritor, o prosador, era necessário que se buscasse mais um exemplo, mais um referencial. E o referencial que mais credencia esse homem repleto de credenciais, no meu entendimento, é sua brava condição de timorato jornalista que persiste no tempo publicando um veículo inteiramente voltado à divulgação, à propagação, à difusão e à defesa dos ideais do nosso tradicionalismo.

Esse homem, repleto de méritos, portador, inclusive, da Medalha do Negrinho do Pastoreio, distinção rara neste Estado. Esse homem que, por anos, atuou no Movimento Tradicionalista Gaúcho, que por anos tem atuado na Confederação dos CTGs de todo esse País, e que, inclusive, tem-se afirmado ao longo do tempo, atuando, inclusive, num dos órgãos importantíssimos já constituídos neste Estado pelo notável Governador Euclides Trichês, que é o Instituto de Tradições Gaúchas, do qual ele já foi Diretor. Esse homem, repleto dessas condições e dessas qualificações, tem, no meu entendimento, a maior delas na figura do jornalista combativo, porque é na comunicação, é na divulgação, é desfazendo mistificações que perduraram tanto tempo, que está inserida a batalha final, a batalha da afirmação categórica e insofismável que cultuar a tradição do Rio Grande não é negar o Brasil, é muito mais do que isso, é afirmar a nossa condição de brasileiro que quer uma Pátria com aquelas características republicanas, democráticas e libertárias com que sonhavam os heróis de 1935.

Por isso, meu caro Otto, quero-te agradecer por tu existires, por tu seres esse belo exemplo, por tu seres essa pessoa tão comprometida com esses objetivos, porque tu existindo, permitistes aos Vereadores deste Legislativo apresentar para a sociedade do Rio Grande e para a sociedade brasileira, o exemplo, o notável exemplo, o necessário exemplo, o corolário dessa lista de grandes homenageados para que as novas gerações entendam que nós, gaúchos comprometidos com a causa Farroupilha, nós, gaúchos envolvidos com o tradicionalismo, sabemos fazer justiça àqueles que, pelo seu trabalho, se fazem merecedores, e tu, meu caro Edson, és merecedor dessa homenagem, e com muito orgulho, com muita satisfação, e, sobretudo, com uma enorme alegria, eu assinei a proposta, inspirado pelo Dexheimer, que geraria a homenagem que hoje irás receber.

Meus cumprimentos e muito obrigado pelo teu exemplo, pela tua tenacidade e pela tua constância. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O Ver. João Carlos Nedel está com a palavra para falar em nome do PP.

 

O SR. JOÃO CARLOS NEDEL: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores.(Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) É com muita honra que cumprimento o ilustre Ver. Reginaldo Pujol pela oportunidade desta homenagem. Veja, Ver. Reginaldo Pujol, justamente neste dia, e aqui, próximo de uma nova cidade construída sob a força do nativismo, da tradição, aqui ao lado, o acampamento Farroupilha - veja a oportunidade dessa homenagem, veja a força do nosso nativismo, das nossas tradições, do orgulho de ser gaúcho.

Oriundo da nossa querida São Luiz Gonzaga - um dos berços da nossa tradição e do folclore, fonte de grandes valores da nossa música e da nossa poesia, onde os jesuítas criaram uma civilização movida pela arte, pela fé -, desejo, aqui, homenagear José Edson Gobbi Otto por ter sido escolhido, pela unanimidade dos Vereadores, para receber o Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva.

Falo, prezado Otto, em nome da Bancada do Partido Progressista, que nesta Casa conta, além do Presidente Ver. João Antonio Dib, com o nosso grande poeta, Ver. Pedro Américo Leal, nosso Líder de Bancada - que aqui está presente -, e que também tem contribuído com as nossas tradições - embora sendo carioca, apaixonou-se por esta terra - com vários trabalhos já apresentados e divulgados; também compõe a nossa Bancada o jovem Ver. Beto Moesch. Em nome desses quatro Vereadores, estamos aqui lhe homenageando.

Falar de Edson Otto em cinco minutos é impossível, mas o nosso poeta e historiador José Machado Leal me ajudou a relacionar apenas alguns talentos, que são diversos: Edson Otto é poeta, músico, escritor, declamador, cantor, organizador de festivais, embaixador, pesquisador, sindicalista, jornalista, advogado, fundador de jornal, conferencista, conselheiro, agitador cultural, arranjador musical e vocal, regente de coral e administrador de inúmeros congressos, seminários e institutos.

Esse Prêmio, Edson, sem dúvida, é o reconhecimento de nossa Cidade, da nossa querida Porto Alegre, a esse ilustre cidadão, que trabalhou e trabalha intensamente pela arte nativa do nosso querido Rio Grande.

Descobrimos que Otto é admirador de Guilherme Schultz Filho, e gosta, meu caro Ver. Reginaldo Pujol - que teve a grande felicidade de encaminhar o Projeto a esta Casa e ter a aprovação unânime de todos os Vereadores desta Cidade - de declamar suas obras. E que, em alguns fragmentos do poema Pingos diz: (Lê):

“Em cada ronda da vida, eu tive um pingo de lei./ Montado, eu sou como um rei,/ pelo garbo, pelo entono./Cavalo para mim é um trono,/ e, nesse trono, eu me criei./ Rosado como as manhãs do pêlo da própria infância,/ mascando o freio com ânsia, parece até que sorria,/ chamava-se 'fantasia',/ era a flor daquela estância.

O cavalo que encilho nesta quadra da existência/ dei-lhe o nome de experiência,/ é um picasso de bom trote/ e levando por diante o lote,/ rumbeio à 'Eterna Querência'."

Estimado Edson Otto, fazemos votos que Deus nosso Pai, nosso supremo tropeiro, continue lhe derramando suas bênçãos e lhe permita viver muito tempo na querência do pampa e que continues espalhando teus talentos para o bem deste mundo. Meus parabéns. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): A Ver.ª Margarete Moraes está com a palavra pela Bancada do Partido dos Trabalhadores.

 

A SRA. MARGARETE MORAES: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Nesta época em que a primavera se anuncia, a nossa Cidade, Porto Alegre, converte-se em uma grande cena, em um grande palco de dança e de teatro, aqui e em outras localidades, mas, junto com o Festival Internacional Porto Alegre em Cena, centenas de peões e de prendas vestidos a rigor, vestidos a caráter, tomam conta das ruas da nossa Cidade, das praças, das escolas, das repartições públicas, e reúnem-se, quotidianamente, no Parque da Harmonia. Esse espaço especial que, na verdade, realiza e constitui um grande encontro cultural, um encontro solene, porque cultiva as nossas melhores tradições no acampamento Farroupilha que realiza, de fato, hábitos, usos e costumes dos gaúchos e das gaúchas do campo, nos mais diversos e amplos aspectos, mas sempre tem como eixo principal, como essência, o resgate dos nossos valores, dos valores da honra, da liberdade, que já se constituem em um irrenunciável patrimônio dos povos do Sul do Brasil, porque, quando se trata de 20 de setembro, muito além da saga Farroupilha, de figuras, de personalidades que já marcaram a história do Brasil, como Bento Gonçalves, como o General Neto, com seus acertos, seus méritos, sua decência, Cel. Ivo Benfatto, também nos seus erros, porque devemos aprender com os erros do passado. É importante que, neste momento, lembremos figuras como Barbosa Lessa, como Glaucus Saraiva e, em tempo presente, Paixão Côrtes e de Antônio Augusto Fagundes, o Nico, figuras que se dedicaram, e que permanecem se dedicando, a compreender e aprofundar a história do mito do gaúcho, na guerra e na paz, naquilo que é único e "irrepetível", num jeito singular de ser e estar que se expressa e se traduz nos mais ricos símbolos e signos que eu poderia citar nas lendas, na literatura, na música, na poesia, nos ritos, na dança, na indumentária, na figura do cavalo e o que significa isso no Rio Grande do Sul, tão bem expresso por Vasco Prado na sua escultura. E na literatura, gostaria de citar Simões Lopes Neto, ele mesmo, é uma lenda. Toda essa questão do tradicionalismo tem uma inspiração, tem uma fundamentação na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Revolução Francesa, nos seus ideais, Ver. Reginaldo Pujol, de liberdade, igualdade, fraternidade e humanidade, porque é sempre importante, é sempre necessário valorizar e respeitar as pessoas, principalmente, e, sobretudo, ampliar a nossa condição humana, na idéia da República que, em sentido literal, quer dizer a coisa pública, aquele bem que é de todos e que devemos cultivar, na idéia de uma Pátria, na noção do civismo e no nosso Brasil que luta, cada vez mais, por ser soberano e que, nesta semana, não se dobrou à Organização Mundial do Comércio, nesta Pátria que ainda quer ser cidadã, digna, plural, inclusiva e justa socialmente. São essas idéias e esses conceitos que fundamentam o nosso nativismo e o nosso tradicionalismo.

Ver. Reginaldo Pujol, na condição de ex-Secretária Municipal da Cultura, eu tive a honra de participar da primeira entrega do Prêmio Glaucus Saraiva ao Antônio Augusto Fagundes, ao Nico, numa cerimônia emocionante em que ele não conseguiu concluir seu discurso. Isso foi um fato marcante, e quero, portanto, cumprimentar o Ver. Reginaldo Pujol, sempre sensível ao universo das subjetividades, da arte, da cultura, daquilo que nos diferencia e que singulariza uma comunidade, uma cidade, um Estado, um povo. Ele se inspirou em Glaucus Saraiva que foi aquela pessoa que, em 1961, escreveu a Carta de Princípios que fundamenta todo o nosso tradicionalismo, e, hoje, o Ver. Reginaldo Pujol, com muita propriedade, homenageia outro gaúcho, o Edson Otto, esse gaúcho de Carazinho, que tem um largo currículo de serviços prestados a essa causa, que é um militante do tradicionalismo e do nativismo e que, só na Exposição de Motivos, há mais de quatro páginas; portanto, seria impossível elencar todas as suas qualidades e os seus serviços, mas eu gostaria de destacar o jornal Tradição, em que conheci a sua contribuição, Edson, aos conceitos, à reflexão, à organização, a sua condição de direção nas instituições públicas e privadas, citando o MTG, o IGTF, e a sua participação decisiva num dos maiores festivais do Rio Grande do Sul, que é a Califórnia da Canção Nativa, e a sua condição de poeta e de compositor.

Receba os parabéns da Bancada do Partido dos Trabalhadores por essa merecida comenda.

Neste momento, eu também gostaria de fazer algumas referências a personalidades presentes ou ausentes com quem eu tive oportunidade de conviver nessa luta por nossa arte, por nossa cultura, como é o caso do Sr. Manoelito Savaris; da Sra. Líria Ramos, essa grande prenda, também uma militante dessa causa; com muita sinceridade ao Cel. Ivo Benfatto, que foi o primeiro Presidente e construtor do Conselho Municipal de Cultura de Porto Alegre; ao querido amigo Augusto; Alencar; ao companheiro Knerim; enfim, a todas as personalidades com quem eu tive oportunidade de conviver, que sempre com muita sobriedade, com muita dignidade, com muito espírito público, eu creio que elevam o significado deste momento e elevam a condição da causa tradicionalista.

Portanto, em nome da Bancada do Partido dos Trabalhadores, eu quero cumprimentar todos os gaúchos e gaúchas, o Ver. Reginaldo Pujol, por sua feliz idéia de instituir esse Prêmio, nesta Casa, que simboliza o pensamento político de todas as forças de Porto Alegre e, principalmente, ao Sr. Edson Otto, o principal motivo desta solenidade. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O Ver. Cláudio Sebenelo está com a palavra e falará em nome do seu Partido, o PSDB.

 

O SR. CLÁUDIO SEBENELO: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Saúdo essa magnífica delegação que usa o azul na farda e que está aqui nos prestigiando hoje nesta festa tão linda da Aeronáutica.

 Eu queria dizer que há um Vereador nesta Casa que lidera pelo seu talento, pela sua competência e pela sua forma de ser um extraordinário amigo de seus amigos, o Ver. Reginaldo Pujol, que surgiu das barrancas do Quaraí para nos inspirar, nesta tarde. A minha maior homenagem a ele é dizer que com ele eu só tenho aprendido.

Meu caro José Edson, um dos melhores momentos de inspiração ao definir o gaúcho e seu perfil psicossocial, foi expressado pelo extraordinário poeta João Carlos Ribeiro Hudson. Ele tinha uma frase, que eu aprendi com ele na minha infância e até hoje não esqueço: “Há um profundo misticismo no gauderiar dos andejos”. Pois o gaúcho é o povo que mais tem construído caminhos. E o caminho é feito pelos andejos. Os caminhos são feitos pelo gauderiar errante, nômade, em diáspora pelo nosso chão em busca de outros Estados, na imensidão deste Brasil ou mesmo, e muito, fora dele. E o seu misticismo contagiante é também uma forma de sentimento, de percepção da nossa mestiçagem, de suas etnias, da soma de influências, de culturas, desembocando em seu caudaloso jeito de falar, em suas danças, em suas músicas e em inúmeras obras-primas que traduzem exatamente esse pensamento de Ribeiro Hudson. Paulo Ruschel, em Os Homens de Preto, presenteia o Rio Grande com um estudo sociológico da peonada. Gaúcho a cavalo no pampa, gaúcho a pé, como nos ensina Cyro Martins, no louco urbano das megalópoles. Barbosa Lessa, no Negrinho do Pastoreio, explica exatamente a mística que transportou a liberdade das planuras infinitas trocando-a pelo embretamento das cidades.

O Dr. Ruben Oliven é um sociólogo, professor da UFRGS, num dos trabalhos mais lindos sobre o assunto, ele explica a criação dos CTGs nas cidades como uma tentativa de regressão ao gregário da solidão do pampa, enfrentamento que se antagoniza com a misantropia do indivíduo na cidade, cercado de gente, rosto na multidão, mas sentindo-se absolutamente só.

É por isso, Dr. José Edson Gobbi Otto, que eu lhe dedico como homenagem, exatamente, o poema “Ilharquipélago”. (Lê.) Galopa no peito, / a ânsia do perto. / Só não desperto / do rasteiro capim, / pois ainda bate / em mim planura, / um galpão de amarguras / feito mate e fogo de chão./ Esta chama que m’espia,/ que se chama misantropia,/ é a mesma que incendeia/ cadáveres a esmo,/ em demográficas explosões./ Andarilho, só,/ pampeio nômade,/ filho da proximidade./ Rosto na multidão,/ pela “cidade-estufa”/ bufo e me despedaço/ em milhões de cavalos de aço/ Quero-me ilha perdida/ no meio do povaréu,/ sou arquipélago, na lonjura do pampa”.

É esse o gaúcho, suas façanhas, sua história, sua saga, que reverenciamos nesta semana de nossas raízes pampeanas, de nossa epopéia farrapa, de nosso hino, feito pelo Maestro Mendanha, que me tira do sério quando eu penso que “nossas façanhas sirvam de modelo a toda a terra”.

É exatamente esse misticismo, quase sentimento, quase patriotismo e veneração que eu gostaria de falar para vocês, em forma de emoção. Eu gostaria de entrar para dentro da cabeça e dos sentimentos de Bento Gonçalves da Silva e saber o quanto de ódio, de amor, de frustração, de derrotas, de triunfos, de renúncia e de poder se apossava dele a cada batalha, a cada comando.

Eu tive como professor de História, no ginásio, uma das maiores “cabeças” que este Rio Grande produziu, que foi o historiador e professor Walter Spalding. Ele tem um livro inesquecível, fantástico, com um título comum: “Guerra dos Farrapos”. Ele conta a historinha de uma viúva que morava, já cega, no meio do pampa, sozinha. O que Bento Gonçalves deve ter sentido quando, enlouquecido de fome e cansaço, no meio do pampa, a solidão de uma palhoça se oferecia, com água, comida, pouso, e um cavalo! Tudo o que ele queria na vida era aquele cavalo, e a velhinha cega lhe diz: “Só abriria mão deste cavalo para uma pessoa neste mundo. Só para Bento Gonçalves da Silva”.

E a emoção de David Canabarro, ao enfrentar a sedução do apoio do Presidente da Argentina, o ditador Rosas, com tropas, alimentos e armamentos: “O sangue do primeiro gringo que atravessar a fronteira servirá de tinta para assinar a paz com a Coroa Imperial”.

E, ontem, a emoção do Teatro de Equipe, que, aos 40 anos, sobreviveu, com seu protesto contra todas as ditaduras, a favor de toda a democracia. “Liberdade, igualdade, fraternidade”.

E a felicidade de J. Simões Lopes Neto quando viu prontos os seus Contos Gauchescos e Lendas do Sul, que não é só pesquisa, mas que, juntados à idéia de Casos do Romualdo, é a nossa história, do gaúcho bufão, do gaúcho em sonhos.

Um dia na casa da advogada Helena Ibañez, eu fui ver uma palestra de uma das figuras centrais deste Estado, que se chamou Mozart Pereira Soares. Mozart, Ver. Reginaldo Pujol, falava sobre um dos temas que eu pensava ser dos mais áridos: era sobre a geologia do Rio Grande do Sul. E ele falava com uma desenvoltura! Lembrava Érico Veríssimo, lembrava de Ana Terra, cuja vida foi marcada pelo vento, porque ela nasceu em dia de vento. Ele explicava os ventos de Ana Terra, ele explicava o primeiro amor de Ana Terra numa tarde de vento em Sorocaba, ele explicava o caminho da venda das mulas, do charque para a mineração, para os escravos, lá no centro do País, lá nas minas.

Mozart Pereira Soares tinha 45 minutos para falar sobre o assunto; era uma hora da manhã e ninguém queria sair de lá, porque Mozart Pereira Soares era, indiscutivelmente, alguém que “caminhava sobre as águas”, que “multiplicava os peixes, o pão” e tinha o dom da ubiqüidade.

E a emoção de Anita e Giuseppe Garibaldi, sempre em fuga, sempre guerreando, sem direito a lar, a paradeiro, à paz, à liberdade?!

E a emoção ensandecida do Índio Sepé, imolado na defesa de seu povo contra os ditos, entre aspas, civilizados, portugueses?!

Todas as cerimônias desta Casa terminam pela emoção do Hino Rio-Grandense, que é a expressão musical e poética de um povo que tem em Daiane dos Santos a sua heroína de hoje; em Luiz Felipe Scolari, o nosso Felipão, o seu herói; em Furriel Luiz Antonio Vargas, o seu exemplo; e no General Osório, um dos meus heróis, Coronel Pedro Américo Leal.

E a felicidade do nosso gaiteiro Gilberto Monteiro, quando viu pronto e cantou pela primeira vez o “Pra ti, Guria”?

Mas épicos e heróicos têm sido os dias de nossas mulheres, de nossas mulheres negras, de nossas mulheres índias, as que deixaram as prendas e foram para a maternidade parir um povo para suas fábricas, hospitais, aeroportos, estradas e megalópolis.

É essa emoção que sinto, agora, falando da tribuna de um Parlamento da Capital dos pampas para a sua população, com a consciência de que fomos, somos e seremos um povo predestinado, ordeiro, pacífico, plural, apesar de nossas polarizações, inteligentes, cultos, cheios de bonomia - mas que nunca pisem no nosso poncho! Somos gaúchos com sangue nas veias e até por dentro dos olhos, e por isso vivemos esse extraordinário momento com o usufruto de termos uma terra em forma de coração: pampa, mar, serra, planalto; um povo movido pelo minuano, pelo amor, pela busca de um mundo muito melhor, mas muito melhor mesmo, parecido com o Rio Grande, a nossa terra, a minha querida terrinha! (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O Ver. Raul Carrion está com a palavra e falará em nome do PC do B.

 

O SR. RAUL CARRION: Exmo. Ver. Elói Guimarães; Exmo. Sr. homenageado, José Edson Gobbi Otto, em nome de quem saúdo todas as autoridades civis, militares, religiosas, já devidamente nominadas; prezado Ver. Reginaldo Pujol, autor primeiro da Lei que criou o Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva e, em segundo lugar, autor de uma merecida homenagem, aprovada pela unanimidade da Casa, que concede, hoje, este Prêmio ao José Edson Gobbi Otto; demais Vereadores, Vereadoras, todos aqueles que abrilhantam este ato singelo, mas tão importante, que reverencia, em primeiro lugar, os 168 anos do 20 de setembro de 1835, que marcou o início da Guerra dos Farrapos, que por mais de dez anos resistiu ao Império Brasileiro, desfraldando as bandeiras da República e da Federação. Movimento que marcou profundamente a História, o imaginário e o caráter do povo gaúcho, moldando as suas tradições progressistas e libertárias. Como historiador, me é vedado cair na tentação das avaliações puramente laudatórias - incapazes de perceber os inevitáveis limites históricos e as contradições do processo -, da mesma forma, não posso ficar nas avaliações anti-históricas dos que reduzem a luta dos Farroupilhas a uma mera disputa inter-oligárquica. Saindo das controvérsias menores, de se a Revolução Farroupilha ou foi federalista, ou republicana – ou foi ambas as coisas, com ênfases diferenciadas, segundo o momento, ou segundo o setor social; ou se ela foi separatista ou não - e o foi, circunstancialmente, quando as demais revoltas liberais foram sufocadas no nosso Brasil, mas sempre defendendo uma federação Republicana, com todas as províncias que viessem a romper com o Império absolutista. E, nesse sentido, aponta a criação da República Juliana em Santa Catarina. O certo é que a luta dos Farrapos foi um movimento progressista, republicano e federalista, sob hegemonia dos proprietários rurais gaúchos, mas com forte participação popular. Do outro lado, estava a monarquia imperial, centralizadora, que tinha por base as plantations, a monocultura exportadora e a escravidão. Aqui se situa outra controvérsia – a nosso ver, de grande importância – sobre o caráter abolicionista ou não da Revolução Farroupilha. Para essa questão não cabe uma resposta unívoca. Aqui é preciso considerar as contradições existentes entre os próprios líderes Farrapos. De um lado, João Manuel de Lima e Silva, parente do Duque de Caxias, que, logo após a captura de Pelotas, em 1836, libertou e armou centenas de escravos.

Do mesmo lado, Garibaldi, Herói de Dois Mundos, Rosseti, Zambeccari, os mulatos Domingos José Almeida e José Mariano de Mattos, líderes e ministros farroupilhas. General Neto, Ulhoa Cintra, General Portinho, o próprio Bento Gonçalves, que na Assembléia Constituinte, propuseram a Abolição da Escravatura.

Do outro lado, Vicente da Fontoura, Canabarro, Onofre Pires, representantes dos setores mais conservadores da gesta farroupilha e defensores da escravidão. Posições que se chocaram, nestas e em outras questões, no decorrer desses 10 anos.

Também queria aproveitar essa rápida avaliação histórica desse importante movimento do nosso povo para resgatar, na memória da Revolução Farroupilha, a participação dos negros, principalmente, mas não somente por meio do Corpo de Lanceiros Negros, do bravo Teixeira Nunes, que, constituído já em 1836, foi uma das principais tropas de choque dos Farrapos, lanceiros esses dizimados às vésperas da paz, depois de desarmados, na chamada Traição de Porongos, em 14 de novembro de 1844, até hoje motivo de grandes controvérsias históricas.

Para finalizar, peço licença para declamar algumas estrofes poéticas que aproximam a gesta Farroupilha dos dias de hoje.

Como disse o poeta:

“Levantam-se na paisagem/ Desta minha alma campeira,/ As crinas da cabeleira/ Daquela indiada selvagem/ Que misturava coragem/ Com rasgos de fidalguia,/ Entremeando ventania,/ Com terra e com sacrifício,/ - Peleadores por ofício/ Porque a vergonha exigia.

Velhos sinais de perigo/ Ou - melhor dito - de luto,/ Até parece que escuto/ Trovoadas de um tempo antigo,/ Quando o taura - ao desabrigo,/ Com sangue à meia costela,/ Calçava o pé na cancela,/ Neste garrão de querência,/ Para manter a permanência/ Da Pátria Verde Amarela!

Aqueles que não entendem/ Nossa base de estrutura,/ Ou não leram a escritura/ De onde os gaúchos descendem,/ Os que compram e que vendem/ Sem respeitar a legenda,/ Os do encobre e do remenda,/ Do esbulho e do desmande,/ Não sabem que este Rio Grande/ Não é uma sucata à venda!!”

Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): Solicito ao Ver. Reginaldo Pujol que assuma a presidência dos trabalhos, para que este Vereador possa fazer a sua manifestação.

 

(O Sr. Reginaldo Pujol assume a presidência dos trabalhos.)

 

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): O Ver. Elói Guimarães está com a palavra em nome do Partido Trabalhista Brasileiro e do Partido Democrático Trabalhista.

 

O SR. ELÓI GUIMARÃES: Ver. Reginaldo Pujol, permita que eu me dispense de fazer a citação da Mesa, uma vez que anteriormente havia feito, mas quero saudar um piquete de cavalarianos do PTchêB que acaba de chegar aqui na Câmara, homens e mulheres que estão com seus pingos atados aqui junto à Câmara Municipal, liderados pelo Ronei, pelo Tio Armando, enfim, um grupo de gaúchos e gaúchas.

Eu rapidamente quero aqui fazer uma reflexão curta e grossa, Edson Otto, como “coice de porco”, bem rápida.

Primeiro para dizer que nos preocupa quando muitas vezes se quer carimbar, tachar a Revolução Farroupilha, o Movimento Farroupilha, de separatista. Talvez, muitas vezes, escritores apressados, ou historiadores não bem informados saiam a campo a dizer coisas que precisam receber a devida avaliação histórica.

Se nós pegarmos o Movimento Farroupilha e examinarmos os seus componentes, toda a sua história, todo o processo que se desenvolveu durante 10 anos, a maior guerra de todos os tempos da história da humanidade foi a Revolução Farroupilha, 10 anos de luta incessante, permanente, quanto a Capital da República de São Pedro trocava de Município a Município, de querência a querência, segundo os azares ou a felicidade da luta.

Se nós pegarmos o acordo de Paz de Poncho Verde, por exemplo, e examinarmos profundamente as cláusulas ali estabelecidas - e não nos vamos demorar nessa análise -, nós vamos ver que de forma nenhuma, absolutamente, a Revolução Farroupilha tem algo separatista; antes pelo contrário, ela, exatamente, aqueceu o espírito para a integração nacional mediante uma série de medidas. Uma delas foi quando se fez a Paz de Poncho Verde e se fez estabelecer a divisória com o nosso querido irmão Uruguai. Uma das exigências dos revolucionários de 1835 é que se estabelecesse a divisória com o vizinho país Uruguai, que tinha a área, a cancha; o território mudava da noite para o dia, então os revolucionários exigiram que se demarcassem esses limites.

David Canabarro, por exemplo, com o seu brado, dizendo que o primeiro castelhano que atravessasse a fronteira – oferecido por Rosas, uma oferta de Rosas - com o seu sangue nós haveríamos de assinar a paz com os imperiais. E aí se vai uma série de ações concretas, objetivas, documentadas na História, que eliminam isso, e até porque, é bom que se diga, e é bom que se afirme, nós gaúchos, nós somos brasileiros por opção. A nossa brasilidade não ocorreu de nenhum tratado e de nenhum acidente geográfico; se deu exatamente no calor das revoluções que se fizeram na demarcação das nossas fronteiras.

Por outro lado, dizia ao Cel. Irani Siqueira, que nós precisamos fazer um resgate do grande Caxias. Da importância do Duque de Caxias, cujo bicentenário se comemora este ano - 200 anos de Caxias -, que teve um papel extraordinário, magnífico, porque em sendo mandado para o Estado como General, chefe das armas, embora tenha feito confronto, é verdade, com os Farrapos em diversas áreas da Província, encaminhou com os Farroupilhas o entendimento. E só foi possível a Paz de Poncho Verde exatamente porque havia uma grande compreensão de Caxias, que, embora numa situação favorável, a partir de 1840, teve a larga compreensão para o entendimento. E o entendimento que se fez com a Paz de Poncho Verde, incluiu todas as reivindicações da Revolução Farroupilha: a demarcação da fronteira, a questão do charque, as altas taxações que se faziam ao sal, por exemplo, um produto indispensável ao desenvolvimento da indústria charqueira do nosso Estado; a incorporação daqueles que combateram na Frente Farroupilha ao Exército Imperial; enfim, uma série de atos e acontecimentos que afastam definitivamente a tentativa de nos carimbar como separatistas. E é bem verdade, poderia até, em determinados momentos, ter havido estratégias, para, no curso da luta, se chegar aos desideratos pelos quais se lutava.

Então, os ideais farroupilhas são muito nobres, muito nobres! E estão aí os ideais da própria Revolução Francesa: liberdade, humanidade, cordialidade, fraternidade. Foram as bandeiras maiores da Revolução Farroupilha. E a República, e a República que 50 anos depois é chegada no País, em 1889. A República de Piratini, a República rio-grandense, enfim, são pródromos de um dos modelos governativos mais nobres de que se tem conhecimento. A República, a res publica, a coisa pública, Ver.ª Margarete Moraes, a República Federativa, com a escolha do dirigente pelo povo, por um determinado tempo. São predicamentos da República. E por aí se vai, é toda uma saga fundamental que construiu esse povo gaúcho, essa mescla fundamental em que se trançam diferentes etnias e no qual se formou esse homem gaúcho, mistura de soldado com campeiro.

Mas eu queria, agora, encerrando, dizer ao Edson Otto, essa figura decantada aqui da tribuna, uma poesia, exatamente uma grande poesia que foi do Glaucus Saraiva. Essa poesia que chama a atenção para esse fator de confraternização, entendimento e igualdade que é “O Chimarrão”, de Glaucus Saraiva, que invoca a Revolução Farroupilha.

Então, em tua homenagem, Edson, eu quero aqui declamar “O Chimarrão” dessa grande figura que dá o nome ao Título, que foi Glaucus Saraiva.

Essa poesia diz mais ou menos assim:

“Amargo doce que eu sorvo/ Num beijo em lábios de prata/ Tens o perfume da mata molhada pelo sereno/ E a cuia, seio moreno/ Que passa de mão em mão / Traduz no meu chimarrão/ Em sua simplicidade/ A velha hospitalidade da gente do meu rincão/ Trazes à minha lembrança/ Nesse teu sabor selvagem/ A mística beberagem do feiticeiro charrua/ O perfil da lança nua encravada na coxilha/ Apontando firme a trilha/ Por onde rolou a história/ Empoeirada de glória/ Das tradições farroupilhas/ Em teus últimos arrancos/ No ronco do teu findar/ Ouço um potro corcovear na imensidão desse pampa/ E em minha mente se estampa/ Reboando dos confins/ A voz febril dos clarins/ Repinicando avançar/ Então, me fico a pensar/ Apertando o lábio assim/ Que o amargo que está no fim/ a seiva forte que eu sinto/ é o sangue de 35/ que volta verde prá mim.”

E viva a República de Piratini! (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): Retorno a presidência dos trabalhos ao Ver. Elói Guimarães, depois desse belíssimo pronunciamento.

 

(O Ver. Elói Guimarães reassume a presidência dos trabalhos.)

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O piquete está-se retirando, evidentemente, para uma cavalhada aí embaixo. Eles têm que sair. Queremos, em nome da Câmara Municipal de Porto Alegre, agradecer a visita do Piquete PTchêB, aqui com tantos valentes gaúchos e gaúchas. Muito obrigado. (Palmas.)

Convido o Sr. Luiz Dexheimer e o Ver. Reginaldo Pujol a procederem à entrega do Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva ao Sr. José Edson Gobbi Otto.

 

(Procede-se à entrega do Prêmio.) (Palmas.)

 

Convidamos a fazer uso da palavra o Sr. José Edson Gobbi Otto.

 

O SR. JOSÉ EDSON GOBBI OTTO: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Sejam minhas palavras iniciais para agradecer do mais fundo de mim, a generosidade do prezadíssimo companheiro de lides gaúchas e ideais, Ver. Reginaldo Pujol, e demais integrantes da Câmara Municipal de Porto Alegre, pela outorga que me fazem, nesta solenidade, do Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva. Mas, se neste momento me invadem sentimentos da mais generosa e intensa gratidão, este despretensioso guasca sente que todo o seu ser acaba ocupado por uma preocupação imensa de, responsavelmente, fazer jus pelo tempo afora às expectativas que determinaram fossem o meu nome indicado para ocupar a galeria de honra de um dos mais cobiçados e importantes lauréis distribuídos com muita parcimônia, a cada ano, pela Casa do Povo da Capital Gaúcha. Observando que sou o oitavo gaúcho a receber o Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva, e que antes de mim aqui estiveram, pela ordem, meus queridíssimos irmãos de causa Antônio Augusto Fagundes, Luiz Menezes, Luiz Carlos Barbosa Lessa, Elma Santana, Mozart Pereira Soares, Paulino Pires e o ilustre são-borjense que anda pelo mundo, com sua gaita a tiracolo, cantando as coisas do Rio Grande, capacito-me a respeito da importância em que me têm algumas pessoas, que devem ter sido conduzidas a me colocarem em tão elevado pedestal muito mais em função da generosa amizade que nutrem por mim, do que pelos eventuais méritos que eu possa possuir, os quais, caso existentes, foram percebidos por eles através de muito poderosas lentes de aumento. Apesar de todas as atribulações que tive, e tenho, de enfrentar na vida, as Senhoras Vereadoras e os Senhores Vereadores que ocupam assento neste Legislativo, acrescentam em mim uma felicidade imensa, nesta tarde em que o Rio Grande do Sul e seus pró-homens são cantados e decantados com todas as veras das nossas almas.

E, palavra de honra que me sinto um tanto acanhado diante dessa homenagem que jamais se apagará da minha memória por mais tempo que o Patrão dos patrões me alcance de vida. E já que minha guaiaca é tão carente daqueles bens com que eu pudesse retribuir tão crescido gesto de bondade, rogo a Ele que vos devolva tudo aquilo e mais um pouco do que eu desejaria vos entregar.

Permita-me, também, Sr. Presidente e meus distintos camaradas aqui presentes, um agradecimento especial à tradição gaúcha por mais esse galardão que recolho tão venturosamente. Não fora meu amor e devoção por ela e por esse movimento formidável que acalenta todos os seus maiúsculos valores, e certamente outra pessoa aqui estaria, neste momento, recebendo essa homenagem. Premiando-me, Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores, estais premiando, em síntese, o próprio Movimento Tradicionalista Gaúcho, do qual sou, desde quase dois anos passados - quando deixei a Presidência da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha -, um simples peão; apenas humilde soldado, igual tantos e tantos outros que anonimamente servem nas suas forças, muitos deles obrando em tamanho grau de discrição e quietude que, muitas vezes, nem tomamos ciência dos resultados que eles nos alcançam individualmente e que recolhemos como produto coletivo dos agentes do mais fecundo e agigantado organismo de conotações associativas, cívicas e culturais existentes no planeta. Foi, pois, com toda a certeza, minha devoção ininterrupta a este Movimento Tradicionalista Gaúcho, no qual ingressei pelas porteiras escancaradas do CTG Pedro Vargas, na minha Carazinho, entidade que ajudei a fundar há pouco mais de 50 anos, que trançou as rodilhas desse laço que me acolheu em sua armada mais de generosidade, repito, do que de reconhecimento por alguma coisa que eu possa ter realizado.

Incrível manancial de poetas e homens de letras que de Quaraí se projetaram para o Brasil e para o mundo. Desconfio que nenhum outro Município rio-grandense, alguns muito maiores em área física e em número de habitantes, tenha produzido tantos literatos quanto o histórico Quaraí, solo no qual se escreveram também algumas das mais heróicas e ferozes páginas da nossa história. Desde os tempos em que nossos ancestrais empurravam fronteiras, passando pelas andanças da “República Andarilha”, chegando mais tarde às Califórnias de Chico Pedro, 93 e 23, além de outros entreveros que encharcaram de sangue civismo e glória a nossa querência sagrada.

E foi naquele solene e altivo território gaúcho que, num 1º de outubro de 1939, nasceu, filho de Ruth e Ivo Pujol, aquele que viria a se destacar, mais tarde, longe de seu torrão natal, como altivo homem público, nosso prezadíssimo amigo, o Ver. Reginaldo da Luz Pujol.

O curso de Bacharel em Direito ampliou, com muita certeza, os horizontes de quem, cursando também a universidade da vida, viria a ser cinco vezes eleito Vereador da Capital dos Pampas, para aqui atuar, mantendo ao longo de sua atividade pública, retilínea linha de conduta, desde a antiga UDN, passando pela ARENA, pelo PDS, para ancorar definitivamente no PFL.

Salvo no período forçado da dualidade partidária imposta ao Brasil, Pujol sempre militou em partidos muito fortes nacionalmente, porém sem figuração relevante no território rio-grandense. Embora isso, seu talento para a melindrosa arte da política permanentemente o manteve em destacada posição no cenário de Porto Alegre, onde tem granjeado cada vez mais simpatia e acrescido amizades, acatamento e respeito, mesmo frente a aguerridos adversários políticos dos quais sou exemplo.

Foi titular da Secretaria Municipal de Transportes, onde realizou trabalho meritório, e como Secretário Municipal da Produção, Indústria e Comércio foi tão eficiente e atuante em múltiplos setores que, sob sua administração e vigilância, foi criado o Brique da Redenção e sua competente legislação que serve de modelo até internacionalmente.

Projetou o Distrito Industrial e acabou decidindo uma aguerrida disputa pela preservação do fantástico monumento arquitetônico que é o nosso Mercado Público, afora uma série avultada e preciosa de outras realizações, mas foi no Departamento Municipal de Habitação que a sua força empreendedora melhor se revelou nas duas oportunidades em que dirigiu aquele órgão.

Foi dele a idéia da criação e execução inicial do famoso Projeto Pró-Gente, por meio do qual nada menos de 51 conjuntos habitacionais foram implantados, regularizados e urbanizados com benefício pessoal para mais de 150 mil pessoas. E esse homem, militante partidário de agremiações que se situam mais à direita, praticamente não encontra correspondente na sua devoção pelos mais humildes, aos quais serviu e serve com tamanho empenho e devoção, que mantém reconhecidos inúmeros porto-alegrenses, sobretudo, na área do Conjunto Residencial Nova Restinga, quase uma outra cidade dentro da Capital, onde, mercê da sua criatividade, imaginação e execução, muitos dos beneficiados por sua obra samaritana chegam a idolatrá-lo ainda hoje.

A liberdade de comércio, com a opção para a abertura aos domingos, a oficialização, em nível municipal, da Semana Farroupilha, o uso facultativo do cinto de segurança em horário noturno, no perímetro urbano de Porto Alegre; a criação do Crédito Educativo Municipal; o aproveitamento parcial das calçadas por determinados tipos de bares e restaurantes; a proibição das negocistas, negociatas, negociadas e escrachantes lutas livres; e a instituição do Prêmio Glaucus Saraiva, são apenas algumas contas do imenso rosário de seus projetos, transformados em Lei pela Câmara Municipal. Dentre eles, não se encontrando um só que avance no patrimônio público ou privado. Mérito de um homem que, em razão de sua probidade, o tem reconduzido, sistematicamente, a nossa edilidade, quase sempre ocupa posição de relevância em sua Mesa Diretora.

Poderíamos dizer muito sobre a sua atuação na advocacia, sobretudo na defesa dos interesses jurídicos da CEEE, como conselheiro do seu e nosso, no dia de ontem, glorioso e centenário Grêmio Porto Alegrense, e de diversas entidades tradicionalistas e carnavalescas, assim como da avantajada contribuição que tem dado ao Rotary Club e muitas outras entidades de cunho social, cívico e filantrópico.

Dona Maria Regina, única esposa, é sua maior admiradora e incentivadora, acalentando o ninho onde o casal colocou dois filhos, que têm orgulho em exemplificar-se no pai: Cristina e Reginaldo Filho.

Não costumo cercar permanentemente de zelos e afetividades as pessoas por quem devoto mais afeto. Digam, por exemplo, os meus mais antigos e queridos amigos Telmo de Lima Freitas e Antônio Augusto Fagundes, que me devolvem, igualitariamente, meus sentimentos. Também sou muito cuidadoso no sugerir-lhes coisas que sejam diferentes daquilo que, costumeiramente, norteiam as suas atitudes, e se algum pedido lhes tenho feito, eles jamais tiveram o cunho de favorecimento pessoal. Assim tem sido, de igual forma, o meu relacionamento com Reginaldo Pujol, a quem, como certa vez, apontando para mim e para mais três camaradas, Glaucus Saraiva decidiu convocar-nos para um gesto extremo, eu repetiria, se estivesse vislumbrando meus últimos dias: “tu, também!”

Possuímos, os gaúchos, virtudes que poucos povos possuem, mas também, como não poderia deixar de ser, alentados defeitos. Um, perigosíssimo, o da falta de memória. Por quê? Em meados do último mês de julho, quase por acaso, fui ter com o Antônio Augusto Fagundes, e, de relancina, lasquei: “Estás lembrado de que, no dia 17, vai fazer 20 anos que o Glaucus partiu?” “Estás enganado!” - respondeu-me o Nico, incrédulo - “Já! Não pode ser verdade!” E era verdade, sim. Por incrível que podia parecer aos amigos mais chegados, que vivem falando no Glaucus, declamando seus poemas, cantando suas canções, convivendo a cada passo com suas memórias, servindo-lhe as primeiras gotas do trago que vão beber, assim que algum “bolicheiro” lhes entregue o copo repleto.

Aguardei, calado, a chegada da data, dirigindo meus primeiros pensamentos de orações do dia à alma do velho “Catão”, que era como o Nico e outros o chamavam, e nem antes, nem depois, presenciei qualquer menção ao fato dos 20 anos do falecimento do inolvidável companheiro, no dia 17 de julho de 2003. Nem da parte do companheiro Paulo de Freitas Mendonça, tão cuidadoso no seu Jornal do Nativismo, com registros importantes como ao que me refiro, nem de parte do MTG e do seu “Eco da Tradição”, como se ele fosse um qualquer, caído no olvido, e muito menos no Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, do qual foi o idealizador e primeiro Diretor Técnico, lugar onde, ao cair da tarde, cabisbaixo com o acontecido, baixinho segredei para alguns sobre a ingratidão que era cometida com o olvido, sobretudo, porque ele foi o maior responsável por havê-los ensejado condições de terem sido guindados às funções e cargos que estão a desempenhar.

Afinal, quem foi esse Glaucus Saraiva, de quem poucos se lembraram do último aniversário do seu passamento? Filho de Álvaro Saraiva da Fonseca e de Luiza Saraiva da Fonseca, ali em São Jerônimo, onde o Taquari faz junção com o Jacuí, nasceu, na véspera do Natal de 1921, um menino ao qual foi dado o nome de Glaucus Saraiva da Fonseca, que viria a ser escoteiro, muito novo ainda, em Porto Alegre, para onde transferira residência, local no qual sua precocidade filosófica destinou-o a conhecer os mistérios da maçonaria.

Integrou o grupo fundador do “35” - CTG, do qual foi o primeiro Patrão e criador da sua organização simbólica. Com Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, Glaucus Saraiva constituiu a base do tripé, em que, a partir de 1947, se passou a aquecer a chama da tradição. Até por necessidade, devido à escassez de músicas e poemas gauchescos, Glaucus, que já arranhava o violão, dá vezo ao estro que o transformaria num dos mais importantes poetas do gauchismo. Recomendado compositor e até cantor, que nesses primeiros anos do tradicionalismo, logrou razoável êxito, muito pouco se comentando que ele integrou como vocalista o famoso conjunto Os Gaudérios, em Porto Alegre, e o grupo que, no Rio de Janeiro, com o pouco semântico nome de Quitandinha Sereneider’s, além de aparecer em diversas emissoras da então capital do País. Atuava no célebre Cassino da Urca, responsável pela divulgação de inúmeras composições do cancioneiro brasileiro e gaúcho formado, dentre outros expressivos musicistas brasileiros, também pelos gaúchos Luiz Telles e Paulo Ruschel.

Por essa época já existiam suas composições: “Porongo Velho”, “Cigarro de Palha”, “Cusco Barbudo”, “Tropeada”, seguidas de “Carreteiro”, “Boizinho Velho”, “Pescaria”; mais tarde, a verdadeira obra de arte que é “Negrinho do Pastoreio” e a belíssima “Casa Grande de Estância”, ambas em parceria com Luiz Telles, sendo que essa última, na voz do saudoso Leopoldo Rassier, por quase nada deixou de bater a famosa “Céu, Sol, Sul, Terra e Cor” na 2ª Ciranda Musical Teuto-Rio-Grandense. Uma que outra delas foram gravadas pela notável Stelinha Egg, arranjadas por seu esposo, Maestro Gaya, no Rio de Janeiro; outras pelo Quitandinha, no tempo em que ele esteve no Rio, pelos Gaudérios e pelo Paixão Côrtes.

De cantor, radialista e radioator, Glaucus mergulha fundo no folclore, percorrendo enormes extensões brasileiras realizando pesquisas, sempre lendo e estudando história do Brasil e do Rio Grande e costumes das gentes que neles habitam, transformando e amplificando seu autodidatismo por meio do exercício do jornalismo e de grande ação como historiador, professor e conferencista de invejável capacitação técnica, circunstâncias que o levaram a ser, também, escritor, com várias obras publicadas. Seu talento e brilho poderiam muito bem tê-lo levado a enveredar por outros caminhos onde, certamente, não tivesse necessidade de, como lhe aconteceu em inúmeras oportunidades, “ter de andar de guaiaca seca como bocó de viúva”, mas preferiu andar sempre pelas trilhas da tradição gaúcha, que ele tanto amou, ou jamais ter-se afastado das suas cercanias.

Após longa jornada por outros pagos, “de viola nos tentos e querência na alma”, sempre de “cogote erguido pelo amor ao Rio Grande”, acabou retornando aos rincões natais após “soltar, na invernada do tempo e da arte, mais um pedaço do Rio Grande”, segundo expressões recheadas de gauchismo que ia debulhando com tanta naturalidade quanto usava expressões que, em qualquer outra boca, pareceriam chulas, grosseiras e agressivas, mas, na sua, pareciam como remédios curadores de males vis, capazes de encantar até mesmo piedosas donzelas recém-egressas dos colégios de freiras.

Reaquerenciado, o vulcão de idéias e ideais que foi o Glaucus, entrou em erupção, dele jorrando torrentes fecundas de sabedoria. Vieram os resultados das suas pesquisas de campo e de gabinete.

Colaborou na fundação da “Estância Província de São Pedro”, da qual foi o primeiro diretor do Departamento de Tradições e Folclore. Liderado por Hugo Ramirez, foi um dos criadores da “Estância da Poesia Crioula”, o sodalício dos poetas gauchescos, em 1959. Viu aprovada, no 8º Congresso Tradicionalista Gaúcho, de 1961, em Taquara, a Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho, de tamanha importância que o MTG acabou por inseri-la como cláusula pétrea do seu estatuto. Criou programas radiofônicos e televisivos para evidenciar o folclore, como “Fogo de Chão” e “Campo Aberto”, integrando, na qualidade de historiador, “O Grande Desafio” e “Donos de Opinião”, de fundas raízes sociológicas.

Escreveu e editou mais uma notável obra, que serve como bíblia para os militantes do gauchismo, o “Manual do Tradicionalista”. E foi escolhido pelo Governador Euclides Trichês - o mais tradicionalista de quantos governantes tivemos até aqui - para assisti-lo como assessor de assuntos culturais do governo gaúcho.

Daí para frente, como que se transforma toda a vida do magnânimo gaúcho. Idealizou e erigiu o Galpão Piratini, no pátio da sede do governo rio-grandense, inaugurado em 17 de agosto de 1971, pelo então Presidente da República, General Emílio Garrastazu Médici, e o alto comando da República, lugar onde Médici veio, gauchescamente, no futuro, buscar, com o amigo fraterno e outros por ele escolhidos, novos alentos para os duros embates que necessitou enfrentar. Integrou o grupo que deu embalo às intenções salutares das quais resultou a Califórnia da Canção Nativa, da qual foi importante jurado nos seus primeiros e vigorosos anos. Participou, como mestre inigualável, de diversos cursos de formação em áreas técnicas, científicas e turísticas, neles valorizando a tradição e o folclore gaúchos. Foi o grande responsável pela participação do Palácio do Governo do Estado nas comemorações iniciadas com a Chama Crioula de 1947, idealizando e mandando confeccionar o Candeeiro Crioulo, que, a partir de 1972, e até hoje, é aceso anualmente no saguão principal do Palácio Piratini, durante a Semana Farroupilha, sugerindo, inclusive, a forma como a gloriosa Brigada Militar participa do cerimonial, a partir de então.

Idealizou e foi autor do anteprojeto que criou o Parque Histórico General Bento Gonçalves da Silva, comandando com segurança a Comissão Extraordinária que realizou os estudos e levantamentos do mesmo. Integrou a Comissão que redigiu o texto do Decreto nº 21.669, de 1972, criando as mais altas condecorações estaduais, como a “Negrinho do Pastoreio”, “Simões Lopes Neto” e, em 1973, a “Medalha Assis Brasil” e a “Ordem do Ponche Verde”.

Foi o primeiro professor de Folclore da nossa Pontifícia Universidade Católica, e idealizou o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, integrando a Comissão que redigiu o Projeto de Lei nº 71/74, escrevendo a justificativa do mesmo, tendo vitoriosa a sua idéia quando, aos 19 de setembro de 1974, a Lei n.º 6.736 instituiu o IGTF. Ajudou a redigir o Estatuto da nova Fundação, e, quando da implantação do Órgão, foi nomeado seu primeiro Diretor-Técnico.

De tanto ser pressionado pelos amigos e admiradores, acabou reunindo seus poemas, alguns dos quais haviam sido publicados esparsamente, entregando ao Nico, ao Retamozzo, ao Guilherme Shultz Filho, ao Mozart Pereira Soares, ao Hugo Ramirez e a mim, e talvez para algum outro de sua intimidade, cópias dos originais da obra, com um pedido para que a analisássemos e lhe apresentássemos crítica. Ninguém, ao que me consta, conseguiu sugerir-lhe absolutamente nada, pois os poemas eram todos muito parelhos, sem nenhum descartável em nada, o que permite que o Rio Grande o eleja como o mais perfeito poeta do gauchismo que existiu. Apesar disso, ele não conseguiu vê-lo em letra de forma, coisa que somente aconteceu quando José Hilário Retamozzo foi diretor do Instituto Nacional do Livro, e teve aceita por uma importante editora das nossas, a edição bilingüe do livro, esgotada em muito pouco tempo e carecendo urgentissimamente de uma segunda edição.

Muito, mas muito mais mesmo, realizou Glaucus Saraiva na década de 1970 e nos primeiros anos de 1980, recebendo poucos louvores pelo crescido trabalho que encetou pelo crescimento moral e cultural do seu Rio Grande amado. Eu me estenderia demasiado se tentasse alinhavar, aqui e agora, tudo o que ele nos propiciou. Por isso mesmo, contrariando meus próprios princípios, redigi o texto que ora leio, para impedir que o atropelo das idéias – tantas, tão profundas e vigorosas – fizesse com que eu encompridasse demais este meu pronunciamento.

E ele, que tanto amou, foi mais uma vez atropelado pelo desamor. Sentindo-se incapaz de recuperar o que perdera, desinteressou-se pela vida e, qual garoa soprada pelo Minuano, viu sua saúde física ir mermando, mermando, mermando... Embora seu brilho intelectual, ao contrário de fenecer, crescia.

Incrível o que acontecia com ele, então. Durante o dia e no trabalho se mantinha ativo, capaz, sóbrio. Porém, ao cair da tarde, sempre que tinha oportunidade, sozinho ou tendo por perto amigos ou conhecidos, libava com a sofreguidão de quem buscava no álcool remédio para seus penates. Compreendíamo-lo, e, no apego de conservar-lhe por mais tempo junto de nós, o aconselhávamos a que parasse. Mas era clara a sua intenção de, se possível, abreviar a sua passagem por esta terra que tanto quis, para, talvez, do outro lado do horizonte, encontrar a reciprocidade amorosa que por mais de uma vez lhe foi madrasta. Comer e beber à noite e aos fins de semana se tornou ato compulsivo para ele que, assim, castigava mais e mais o combalido coração constantemente rebenqueado pelos excessos de álcool e pelas substâncias graxas da pior qualidade, obstruindo cada vez mais seus condutos já excessivamente comprometidos.

Aprontou-me uma, que já me manteve muitas vezes preocupado e indormido, na noite de 4 de julho, exatos 13 dias antecedendo sua partida. Ao encerrar-se uma reunião ordinária do Conselho de Vaqueanos do “35” CTG, que integrávamos, convidou-me a permanecer no recinto, e, quando já estávamos sozinhos, aproximou-se do balcão e pediu pastéis, dos quais ele foi o maior comilão que conheci, e canha, servida em dois copos lisos. E, entre alguma bicada e algumas mastigadas, foi sutilmente enveredando por caminhos da sua exuberante e encantadora palestra, esticando as horas e me conduzindo ao porre etílico.

Por muitas vezes, no futuro, titubeei entre ser o mais tabacudo ou o de coração mais amanteigado dos seus amigos mais chegados, até chegar à conclusão de que a última circunstância o levou a escolher a mim entre Antônio Augusto e Retamozzo, para, consciente de que seu fim se aproximava, confiar-me algo terrível. Penso que ele acreditou que seria mais fácil obter de mim, do que dos demais, a promessa que não ousaria ver recusada, e, mesmo assim, não teve a coragem de me propor estando nós em estado normal. Não me pediu segredo, e, quando entendeu chegado o momento propício, disse que me exporia uma situação a ser cumprida para o caso de que determinada circunstância se me oportunizasse no futuro.

Exigiu lhe prometesse que, havendo recusa em atender a seu pedido, mantivesse o mais absoluto sigilo sobre o assunto. A promessa de um escoteiro e maçom, como ele também o era, deixava as coisas muito mais seguras do que qualquer outro tipo de segredo, e, pormenorizadamente, me apresentou sua incumbência, que relutei a aceitar, mesmo bêbado. Seu olhar, ansiosamente dolorido, arrancou-me o sim mais doloroso que jamais pronunciei. Praza aos céus não tenha de me defrontar com a situação que me arrancou a promessa referida, a qual, por mais difícil que me for cumpri-la, sê-lo-á integral e plenamente.

Vimo-nos muito pouco nos últimos dias, e, na noite da quarta-feira, 13 de julho de 1983, ali, no primeiro galpão erigido pelo deslembrado Eng.º Kurtz, nesse Parque do qual Kurtz era o administrador, ia acesa uma reunião da qual participavam alguns Secretários municipais, o jovem e dinâmico Vereador Job, agitadores culturais, a direção do MTG, da Estância da Poesia e outros órgãos, preparando uma grande exposição de artes e outros correlatos. Inopinadamente, o Glaucus interrompeu alguém que estava a falar e, apontando para Antônio Augusto Fagundes, Onésimo Carneiro Duarte, Luiz Menezes e eu, apregoou de forma inconfundível: “Tu, tu, tu e tu vão carregar o meu caixão!” Após algum silêncio, enérgico e de cenho encrespado, Nico redargüiu: “O que é isso, Catão? Nós aqui tratando de coisas muito sérias e tu nos sais com essa tremenda bobageira?” Agilmente, Glaucus revidou: “Não tem nada de bobageira, não senhor”. Repetindo enfaticamente, inclusive os gestos: “Tu, tu, tu e tu vão carregar o meu caixão!” Congelou o encontro, que logo chegava ao fim, entre sussurros condenatórios à atitude do querido companheiro. Na manhã seguinte, pouco depois de haver adentrado a sede do MTG, que ficava na Rua da Praia, quase diante ao Quartel General da Brigada, Onésimo recebe a visita de Glaucus que lhe atira, de chofre, esta incumbência: “Melão, vim aqui para te pedir que avises o ‘Boca Funda’ que ele é o outro que quero que carregue o meu caixão”. E mais, não disse para o estupefato Onésimo que, assim se fez possível, transmitiu a ordem para o José Hilário Retamozzo, o ‘Boca Funda’ em questão.

Não era comum, na época, eu tivesse livre um fim de semana. Foi diferente aquele 17 de julho de 1983, e, estreitando o meu convívio familiar, aproveitei para assar um churrasquito. Recém almoçáramos e tínhamos ido para debaixo das árvores - era um mês de julho quente, aquele - de um precioso capão de mato que guarnecia parte do terreno onde eu residia, quando chega apressado um vizinho, e, acabrunhado, me anuncia que Paixão Côrtes lhe pedira para anunciar-me que o Glaucus havia falecido e o velório se realizava na Capela “C”, do Cemitério de São Miguel e Almas. Foi como se o mundo tivesse desabado sobre mim! Porém, logo me recuperei e, após revigorante banho, já pilchado, sem atinar com a razão do que se sucedia, dei de mão numa das minhas malas de garupa e, aos poucos, fui colocando nela alguns desses trastes que se fazem tão necessários quando se empreende uma pequena viagem, junto com alguns objetos dos quais o Glaucus mais gostava.

A princípio, minha doce Ivanilde - cuja memória sempre recordo com imensa saudade - nem se deu conta do que se passava. Porém, a minha inusitada atitude despertou sua atenção - sempre fomos católicos muito fervorosos - e, quando eu arrolhava um frasco que enchera de canha para colocar na mala, indagou-me sobre o que sucedia. Respondi-lhe que ia levar aquilo para o Glaucus, tendo ela anunciado: “O Glaucus não precisa mais disso”. “Quem sabe?” - respondi, saindo porta afora. Tomei o ônibus e, de a pé, subi lentamente a ladeira do cemitério. Um pouco mais de tempo far-me-ia bem. Nem vi quem estava no local e fui logo me postar diante do ataúde do amigo. Persignei-me, fiz uma confusa oração e me aproximei dele pela sua direita. Observei que estava pilchado, de lenço branco ao pescoço e usando um tiradorzito, que não é estranho para os que receberam a Verdadeira Luz. Encarei sua face serena, coloquei minha mão sobre as suas e me preparei para entregar-lhe a mala de garupa que preparara. Ao colocar a mão esquerda debaixo do seu braço, percebi pressurosa ajuda de Nico e do Retamozzo, que, preocupados comigo, logo que eu chegara, como me foi dito mais tarde, colocaram-se próximos de mim. Soerguemos o querido amigo e colocamos a oferenda quase sob seu corpo. Depois? Bem, mais tarde, quando já me aliviara do impacto que esses gestos me causaram, ao me reaproximar do local, os mesmos de antes achegaram-se a mim e o Retamozzo me perguntou, preocupado, se eu me lembrara da piorra. Disse-lhe que sim. “E das bolitas?” - reagiu Nico. “Bah! Não é que me esqueci das bolitas?”. “Pois vou buscá-las” - disse-nos o entristado alegretense afastando-se para cumprir a missão a que se propusera.

Um dos cinco designados refugou, por excesso de tristeza, a missão da qual lhe encarregara o ilustre desaparecido. A alça que lhe incumbia apanhar foi assumida pelo então Vice-Governador Cláudio Strassburger; e, deixando o anonimato, o robusto cavalariano Dida, que aqui esteve conosco até há pouco, empunhou aquela que Glaucus, nos parece, deixara vaga para ser ocupada por alguém humilde para representar aqueles os quais ele sempre quis bem.

Eis aqui, senhoras e senhores, alguns dos motivos que me fazem tão fragilizado, neste instante, pela emoção dupla da saudade e do reconhecimento. O Glaucus Saraiva, que percorrera grande parte da sua vida passando por diversas agruras, acabou encontrando certa estabilidade nos seus últimos anos de vida, tempo que também lhe foi, e para nós, o mais produtivo de todos, em todos os sentidos, menos no amor, que o levou precocemente ao encontro da Estância do Infinito.

Conheces agora, meu caro amigo Reginaldo Pujol, a razão pela qual, em circunstâncias análogas àquela que vivemos quatro noites antes do passamento do nosso inesquecível amigo comum, eu apontaria na tua direção para clamar: "Tu, também."

Preciso concluir. E mais uma vez agradecido, despojado de condições para fazê-lo de forma retumbante, ouso, rogando não me venha a ser necessário repeti-los adiante, na minha vida, empregar os termos usados pelo Glaucus em extensa carta endereçada ao Nico, por ele publicada no jornal A Hora, de 16 de março de 1955 e que demonstram à exatidão a honradez que sempre o acompanharam em toda a sua vida, que é, também, panache meu e que deve orgulhar o espírito de meu pai, Olívio Otto, partícipe desta cerimônia em algum lugar desta sala: "A decência e a retidão são do meu berço e por viver estrangulado na brocha desses dois canzis é que até hoje não tenho onde cair morto”. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): Neste momento convidamos todos os presentes a ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Ouve-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Agradecemos a presença de todos e damos por encerrada a presente Sessão Solene.

 

(Encerra-se a Sessão às 19h26min.)

 

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