ATA DA VIGÉSIMA QUARTA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO
LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA TERCEIRA LEGISLATURA, EM 16-9-2003.
Aos dezesseis dias do mês de setembro de dois mil e três
reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal
de Porto Alegre. Às dezessete horas e vinte e três minutos, constatada a
existência de quórum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da
presente Sessão, em homenagem à Semana Farroupilha, nos termos do Requerimento
nº 059/03 (Processo nº 1182/03), de autoria da Mesa Diretora, e para outorga do
Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva ao Senhor José Edson Gobbi Otto, nos
termos do Projeto de Resolução n° 029/02 (Processo n° 0158/02), de autoria do
Vereador Reginaldo Pujol. Compuseram a MESA: o Vereador Elói Guimarães, 1º
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos; o
Senhor Vilson Martins, representante do Senhor Prefeito Municipal de Porto
Alegre; o Arcebispo Dom Dadeus Grings, Arcebispo da Arquidiocese de Porto
Alegre; a Senhora Maria Hilda Marsiaj Pinto, Procuradora-Chefe da Procuradoria
Regional da República; o Senhor Oscar Miguel Demaria Ferrari, Cônsul-Geral do
Uruguai; o Senhor Álvaro Castellón, Cônsul-Geral do Chile; o Coronel Irani
Siqueira, representante do Comando Militar do Sul; o Capitão Fábio Santos da
Rocha Loures, representante do V Comando Aérea Regional – COMAR; o Senhor Pedro
Lucena, Presidente da Liga de Defesa Nacional; a Senhora Patrícia Hexsel Rosa,
1ª Prenda Juvenil da 1ª Região; o Senhor Manuel Pedro da Silva Mello,
representante do Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG; o Senhor José Edson
Gobbi Otto, Homenageado; o Vereador Reginaldo Pujol, na ocasião, Secretário
"ad hoc". Ainda, como extensão da Mesa, o Senhor Presidente registrou
as presenças do Senhor Onésimo Duarte, ex-Presidente do Movimento
Tradicionalista Gaúcho, do Senhor Ivo Benfatto, Diretor do Instituto Gaúcho de
Tradição e Folclore, e do Senhor Luiz Dexheimer, ex-Presidente do 35 CTG. A
seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do
Hino Nacional e, em continuidade, concedeu a palavra aos Vereadores que
falariam em nome da Casa. O Vereador Reginaldo Pujol, em nome das Bancadas do
PFL, exaltou a atualidade dos valores que inspiraram os heróis do movimento de
mil novecentos e trinta e cinco, enfatizando a necessidade da compreensão
desses ideais pela juventude gaúcha. Ainda, analisou os objetivos que o levaram
a propor a instituição do Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva, salientando a
justeza da sua concessão ao Senhor José Edson Gobbi Otto. O Vereador João
Carlos Nedel, em nome da Bancada do PP, parabenizou o Vereador Reginaldo Pujol
pela proposta da concessão do Prêmio hoje entregue pela Casa, comentando a
trajetória de vida do Senhor José Edson Gobbi Otto e elogiando a abrangência
das atividades realizadas por Sua Senhoria, marcadas pela busca da pesquisa,
preservação e divulgação da cultura gaúcha. Finalizando, lembrou fragmentos do
poema "Pingos", de autoria do Homenageado. A Vereadora Margarete
Moraes, em nome da Bancada do PT, aludiu ao significado do Acampamento
Farroupilha, realizado anualmente na Cidade durante o mês de setembro, como
veículo conscientizador e divulgador da história e dos mitos que envolvem a
figura do gaúcho. Ainda, destacou a contribuição dada pelo Senhor José Edson
Gobbi Otto na organização de eventos relacionados à cultura gaúcha em todo o
Estado. O Vereador Cláudio Sebenelo, em nome da Bancada do PSDB, abordou as
diferentes definições de gaúcho encontradas na literatura rio-grandense e
brasileira, frisando que nessas definições observa-se a presença da mística e
do sentimento patriótico e libertário e lembrando a proximidade entre a
história e a cultura rio-grandense. Também, leu o poema "Ilharquipélago",
de sua autoria. O Vereador Raul Carrion, em nome da Bancada do PC do B,
historiou acerca das controvérsias observadas entre pesquisadores brasileiros
quanto à filosofia que embasou a Revolução Farroupilha, especialmente com
relação à predominância ou não de idéias separatistas e abolicionistas,
afirmando ter sido este movimento progressista, republicano e federalista, sob
a hegemonia dos proprietários rurais gaúchos, mas com forte participação
popular. Após, o Vereador Reginaldo Pujol, presidindo os trabalhos, concedeu a
palavra ao Vereador Elói Guimarães que, em nome das Bancadas do PTB e PDT,
registrou a presença, na Casa, do Piquete de Cavalarianos do PTchêB. Também,
relatou episódios da Revolução Farroupilha nos quais se destaca a defesa de uma
ideologia federalista, ressaltando a importância de Luís Alves de Lima e Silva,
o Duque de Caxias, para a assinatura do Acordo de Paz de Poncho Verde.
Finalizando, saudou o Homenageado, declamando o poema "O Chimarrão",
de autoria de Glaucus Saraiva. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou o
Senhor Luiz Dexheimer e o Vereador Reginaldo Pujol para procederem à entrega do
Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva ao Senhor José Edson Gobbi Otto,
concedendo a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Prêmio recebido. Após, o Senhor
Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem a execução do Hino
Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, agradeceu a presença de todos e
declarou encerrados os trabalhos às dezenove horas e vinte e seis minutos,
convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora
regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Elói Guimarães e
Reginaldo Pujol, este nos termos do artigo 27 do Regimento, e secretariados
pelo Vereador Reginaldo Pujol, como Secretário "ad hoc". Do que eu,
Reginaldo Pujol, Secretário "ad hoc", determinei fosse lavrada a
presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pela
Senhora 1ª Secretária e pelo Senhor Presidente.
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães – às 17h23min):
Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear a
Semana Farroupilha, por proposição feita pela Mesa Diretora de outorga do
Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva ao Sr. José Edson Gobbi Otto, proposto
pelo Ver. Reginaldo Pujol.
Compõem a Mesa o homenageado, Sr. José
Edson Gobbi Otto; o Sr. Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre, Dom Dadeus
Grings; a Procuradora Chefe da Procuradoria Regional da República, Dra. Maria
Hilda Marsiaj Pinto; o Ilmo. Sr. Cônsul-Geral do Uruguai, Dr. Oscar Miguel
Demaria Ferrari; o Ilmo. Sr. Cônsul-Geral do Chile, Dr. Álvaro Castellón; o
Ilmo. Sr. representante do Prefeito Municipal de Porto Alegre, Sr. Vilson
Martins; o Sr. representante do Comando Militar do Sul, Coronel Irani Siqueira;
o Sr. representante do V COMAR, Capitão Fábio Santos da Rocha Loures; o
Presidente da Liga de Defesa Nacional, Sr. Pedro Lucena; a 1.ª Prenda Juvenil
da 1.ª Região, Patrícia Hexsel Rosa; o representante do Movimento
Tradicionalista Gaúcho - MTG, Sr. Manuel Pedro da Silva Mello. Demais pessoas
aqui presentes, tantas figuras notáveis, o Onésimo Duarte, ex-Presidente do
MTG; aqui, também, o Ivo Benfatto, que é Diretor do Instituto Gaúcho Tradição e
Folclore; o ex-Presidente do 35, Luizinho
Dexheimer, enfim, tantas figuras aqui, uma representação de oficiais da
Aeronáutica, tradicionalistas, as nossas prendas e peões.
Estão presentes o Ver. Pedro Américo
Leal, a Ver.ª Margarete Moraes, o Ver. Raul Carrion, o Ver. Reginaldo Pujol
e o Ver. João Carlos Nedel. Portanto, sintam-se todos homenageados, sintam-se
todos como se integrantes fossem aqui da Mesa da direção dos trabalhos.
Convidamos todos os presentes para, em
pé, ouvirmos o Hino Nacional.
(Ouve-se o Hino Nacional.)
Também gostaríamos de registrar a
presença do Ver. Dr. Goulart, do Alencar, que tem coordenado aqui a cavalaria
no deslocamento da Chama Nativa aos diferentes órgãos oficiais da Cidade. Temos
aqui também a presença do Eloir, aquele que, dois meses atrás, defendeu a nossa
Bandeira, a Bandeira Brasileira, quando essa se incendiava. Receba a nossa
saudação. (Palmas.)
Esta Sessão Solene celebra um dos mais
notáveis acontecimentos político-militares, político-sociais no Estado do Rio
Grande do Sul, a Revolução Farroupilha, e, no bojo desta celebração e desta
homenagem, também se prestará uma homenagem a uma grande figura do nativismo,
homem ligado às lides folclóricas e nativas do nosso Estado, também grande
cantor, poeta e vencedor de diversas Califórnias. Está ao meu lado e receberá o
Troféu Glaucus Saraiva, refiro-me ao nosso folclorista, amigo, ligado à defesa
nacional, José Édson Gobbi Otto.
A autoria do Prêmio Glaucus Saraiva este
ano, uma vez que o Prêmio é concedido a uma pessoa por ano, durante a
solenidade da Semana Farroupilha, é do Ver. Reginaldo Pujol, que também é o
criador do Prêmio Glaucus Saraiva.
Então, Ver. Reginaldo Pujol, saindo da
ordem natural aqui posta, V. Exa. está com a palavra, como proponente da
homenagem ao nosso tradicionalista, cantor, compositor José Edson Gobbi Otto.
O
SR. REGINALDO PUJOL: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs.
Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Evidente que não
poderia iniciar o meu pronunciamento sem consignar, além das pessoas com
assento à Mesa, algumas que merecem referência muito especial, a começar pelo
Dr. Onésimo Carneiro Duarte, ex- Presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho
e uma das pessoas que, ao longo do tempo, foi-me integrando ao tradicionalismo
pela cultura, pelo entusiasmo e, sobretudo, pelo empenho com que se dedicou à
causa tradicionalista. Sua presença entre nós, exatamente no dia em que a Casa
comemora a Revolução Farroupilha, é um estímulo para o nosso trabalho. Muito
obrigado pela presença, meu caro Onésimo. Da mesma forma, registro a presença,
grata para todos nós, do Dr. Ivo Benfatto, Diretor do Instituto Gaúcho do
Folclore; do meu particular amigo Alencar Feijó da Silva, Diretor da
Confederação Brasileira de CTGs e das jovens prendas, a Franciele e a Tatiane,
que, juntamente com a Patrícia, compõem esse trio maravilhoso que prestigia
este evento. A todas vocês as nossas boas-vindas aqui na Casa.
Em 1995, Presidente Ver. Elói Guimarães,
quando retornei a este Parlamento, percebi que tínhamos a necessidade de
objetivamente nos somarmos ao entusiasmo, ao trabalho e à dedicação daqueles
que vinham gradativamente afirmando o culto à tradição gaúcha como um objetivo
permanente em nosso Estado. Foi nesse sentido que propusemos a Lei que,
sancionada pelo Sr. Prefeito Municipal, obteve o número de 7.855, em 25 de
setembro de 1996, que oficializava a Semana Farroupilha aqui em Porto Alegre e
impunha, entre várias obrigações e compromissos, a realização da Sessão Solene
anualmente durante os festejos da Semana Farroupilha. E é o que ocorre em mais
um ano. Na oportunidade, fiz algumas afirmações que me parecem muito presentes.
Eu dizia que a Revolução Farroupilha constituía-se num dos mais gloriosos
movimentos da história da Pátria na busca de uma verdadeira emancipação
política e econômica da Nação brasileira. Dizia mais: que os ideais sustentados
pelos heróis de 1835 continuavam hoje mais vivos do que nunca, eis que a
liberdade, a igualdade e a fraternidade são valores que continuam a ser
perseguidos por aqueles que estão comprometidos com a luta pela formação de uma
nação socialmente justa, economicamente livre, politicamente soberana e
culturalmente desenvolvida.
A Revolução Farroupilha foi,
equivocadamente e por muito tempo, apresentada como sendo um movimento
separatista que pretendia desvincular o Rio Grande do resto do Brasil.
Desmistificar essas infundadas afirmações é uma tarefa a ser desenvolvida junto
aos jovens e também perante a opinião pública nacional. Nesse sentido, impõe
que se esclareça que a tradição do Rio Grande do Sul não se limita ao uso da
bombacha, a tocar gaita ponto, a beber chimarrão e a andar a cavalo. De fato, o
movimento tradicionalista que a partir de 1947 surgiu no Rio Grande do Sul tem
acentuado essas características que fazem parte da cultura gaúcha, mas também
tem ensejado o estudo sobre o evento Farroupilha, suas causas, sua origem e
suas conseqüências. É isto que estamos a fazer no dia de hoje. Este é o nosso
objetivo; isto é, propiciar aos gaúchos em geral e aos jovens em especial que
tomem conhecimento do alto significado histórico do Movimento de 35, bem como
de seus fundamentos filosóficos que se constituem, indubitavelmente, na
verdadeira “aurora precursora” nos ideais republicanos e democráticos da gente
do Rio Grande do Sul. A luta contra o excessivo e abusivo centralismo político
e econômico é a verdadeira base sobre a qual se erguerá o edifício da Federação
brasileira, que só encontrará sua plena afirmação na medida em que os ideais
dos Farrapos sejam divulgados, entendidos e proclamados por toda a Nação
brasileira.
Preservar a tradição dos Farrapos
constitui-se, portanto, em um gesto de brasilidade, e sua reafirmação não
representará nunca a negação do patriotismo dos gaúchos comprovado ao longo da
história em reiteradas oportunidades.
Nessa linha, e com igual objetivo, nós
nos propusemos a ir um pouco adiante com a colaboração de fraternos amigos,
entre os quais eu destaco, muito especialmente o Luiz Dexheimer que hoje aqui
representa o Antônio Augusto Fagundes.
Com a ajuda desses amigos, Ver. Elói
Guimarães, a gente foi um pouco mais longe: entendendo que nós não devíamos
tão-somente promover o discurso da afirmação dos valores Farrapos, da filosofia
que inspirou o movimento de 1835: era preciso que a atividade tradicionalista,
que já era realçada pela imprensa gaúcha e nacional como sendo uma prova
eloqüente da atualidade do pensamento Farrapo e também da importância do seu
culto e da necessidade de sua divulgação e propagação, buscasse exemplos com os
quais nós pudéssemos alcançar fortemente esses objetivos.
Foi nessa linha que instituímos o Prêmio Tradicionalista
Glaucus Saraiva com o claro objetivo de realçar e enaltecer as pessoas e as
entidades que tinham alcançado destaque na consecução dos objetivos
preconizados pela Lei anterior que se propunha a perenizar os objetivos da
Revolução Farroupilha.
De outro lado, a designação do Prêmio com o nome do Glaucus
Saraiva constituía-se numa justa homenagem ao grande precursor do
tradicionalismo em nossa Cidade.
Fomos além: da mesma sorte em que
homenageávamos, na ocasião, o Glaucus Saraiva, nós buscamos também homenagear o
Antônio Augusto. O Antônio Augusto Fagundes como sendo o primeiro entre os
premiados, sendo agraciado já naquele ano de 1996 com a homenagem que
representava o reconhecimento da Casa à notável contribuição que o Nico
Fagundes vinha dando, e continua dando, à expansão, à divulgação e à propagação
do culto das gloriosas tradições Farroupilhas, fomos, lentamente, levando
adiante esses objetivos.
Sucederam-se, meu caro Elói, ano após
ano, as homenagens. Primeiramente, numa demonstração clara das minhas origens
quaraienses, busquei no poeta Luiz Menezes, o homenageado do ano de 1997.
Seguiu-lhe uma lenda viva do tradicionalismo rio-grandense, infelizmente, não
mais conosco: Luiz Carlos Barbosa Lessa. Em prosseguimento, nos dobramos, Ver.ª
Margarete Moraes, à importância da mulher em todo esse processo e pensamos na
Elma Santana, o exemplo mais eloqüente da mulher engajada na luta
tradicionalista. Fomos adiante, buscamos no Professor Mozart Pereira Soares, um
dos ícones da causa tradicionalista, mais um exemplo para programar. Para o
final, já recebendo contribuição de outros colegas, V. Exa., Ver. Elói
Guimarães, haveria de contribuir em 2001, com a proposta e a indicação do
Paulinho Pires, do Paulo José Dornelles Pires, compositor, músico e intérprete
da música nativista, para ser o premiado naquela oportunidade. E, finalmente,
no ano que passou, no ano de 2002, já com o Ver. Cassiá Carpes nesta Casa,
distinguia-se Mário Rubi Battanoli Lima, cantor proclamado no Rio Grande como
merecedor da Comenda de Glaucus Saraiva.
Vejam os senhores e as senhoras que nesse
histórico eu me encaminho para uma justificativa absolutamente desnecessária,
porque, indiscutivelmente, a pessoa a quem a Câmara Municipal está a homenagear
este ano, o José Edson Gobbi Otto, dispensaria qualquer apresentação.
É que depois de ter homenageado o poeta,
o compositor, o intérprete, o escritor, o prosador, era necessário que se
buscasse mais um exemplo, mais um referencial. E o referencial que mais credencia
esse homem repleto de credenciais, no meu entendimento, é sua brava condição de
timorato jornalista que persiste no tempo publicando um veículo inteiramente
voltado à divulgação, à propagação, à difusão e à defesa dos ideais do nosso
tradicionalismo.
Esse homem, repleto de méritos, portador,
inclusive, da Medalha do Negrinho do Pastoreio, distinção rara neste Estado.
Esse homem que, por anos, atuou no Movimento Tradicionalista Gaúcho, que por
anos tem atuado na Confederação dos CTGs de todo esse País, e que, inclusive,
tem-se afirmado ao longo do tempo, atuando, inclusive, num dos órgãos
importantíssimos já constituídos neste Estado pelo notável Governador Euclides
Trichês, que é o Instituto de Tradições Gaúchas, do qual ele já foi Diretor.
Esse homem, repleto dessas condições e dessas qualificações, tem, no meu
entendimento, a maior delas na figura do jornalista combativo, porque é na
comunicação, é na divulgação, é desfazendo mistificações que perduraram tanto
tempo, que está inserida a batalha final, a batalha da afirmação categórica e
insofismável que cultuar a tradição do Rio Grande não é negar o Brasil, é muito
mais do que isso, é afirmar a nossa condição de brasileiro que quer uma Pátria
com aquelas características republicanas, democráticas e libertárias com que
sonhavam os heróis de 1935.
Por isso, meu caro Otto, quero-te
agradecer por tu existires, por tu seres esse belo exemplo, por tu seres essa
pessoa tão comprometida com esses objetivos, porque tu existindo, permitistes
aos Vereadores deste Legislativo apresentar para a sociedade do Rio Grande e
para a sociedade brasileira, o exemplo, o notável exemplo, o necessário
exemplo, o corolário dessa lista de grandes homenageados para que as novas
gerações entendam que nós, gaúchos comprometidos com a causa Farroupilha, nós,
gaúchos envolvidos com o tradicionalismo, sabemos fazer justiça àqueles que,
pelo seu trabalho, se fazem merecedores, e tu, meu caro Edson, és merecedor
dessa homenagem, e com muito orgulho, com muita satisfação, e, sobretudo, com
uma enorme alegria, eu assinei a proposta, inspirado pelo Dexheimer, que
geraria a homenagem que hoje irás receber.
Meus cumprimentos e muito obrigado pelo
teu exemplo, pela tua tenacidade e pela tua constância. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O Ver. João Carlos
Nedel está com a palavra para falar em nome do PP.
O
SR. JOÃO CARLOS NEDEL: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs.
Vereadores.(Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) É com muita honra
que cumprimento o ilustre Ver. Reginaldo Pujol pela oportunidade desta
homenagem. Veja, Ver. Reginaldo Pujol, justamente neste dia, e aqui, próximo de
uma nova cidade construída sob a força do nativismo, da tradição, aqui ao lado,
o acampamento Farroupilha - veja a oportunidade dessa homenagem, veja a força
do nosso nativismo, das nossas tradições, do orgulho de ser gaúcho.
Oriundo da nossa querida São Luiz Gonzaga
- um dos berços da nossa tradição e do folclore, fonte de grandes valores da
nossa música e da nossa poesia, onde os jesuítas criaram uma civilização movida
pela arte, pela fé -, desejo, aqui, homenagear José Edson Gobbi Otto por ter
sido escolhido, pela unanimidade dos Vereadores, para receber o Prêmio
Tradicionalista Glaucus Saraiva.
Falo, prezado Otto, em nome da Bancada do
Partido Progressista, que nesta Casa conta, além do Presidente Ver. João
Antonio Dib, com o nosso grande poeta, Ver. Pedro Américo Leal, nosso Líder de
Bancada - que aqui está presente -, e que também tem contribuído com as nossas
tradições - embora sendo carioca, apaixonou-se por esta terra - com vários
trabalhos já apresentados e divulgados; também compõe a nossa Bancada o jovem
Ver. Beto Moesch. Em nome desses quatro Vereadores, estamos aqui lhe
homenageando.
Falar de Edson Otto em cinco minutos é
impossível, mas o nosso poeta e historiador José Machado Leal me ajudou a
relacionar apenas alguns talentos, que são diversos: Edson Otto é poeta,
músico, escritor, declamador, cantor, organizador de festivais, embaixador,
pesquisador, sindicalista, jornalista, advogado, fundador de jornal,
conferencista, conselheiro, agitador cultural, arranjador musical e vocal,
regente de coral e administrador de inúmeros congressos, seminários e
institutos.
Esse Prêmio, Edson, sem dúvida, é o
reconhecimento de nossa Cidade, da nossa querida Porto Alegre, a esse ilustre
cidadão, que trabalhou e trabalha intensamente pela arte nativa do nosso
querido Rio Grande.
Descobrimos que Otto é admirador de
Guilherme Schultz Filho, e gosta, meu caro Ver. Reginaldo Pujol - que teve a
grande felicidade de encaminhar o Projeto a esta Casa e ter a aprovação unânime
de todos os Vereadores desta Cidade - de declamar suas obras. E que, em alguns
fragmentos do poema Pingos diz: (Lê):
“Em cada ronda da vida, eu tive um pingo
de lei./ Montado, eu sou como um rei,/ pelo garbo, pelo entono./Cavalo para mim
é um trono,/ e, nesse trono, eu me criei./ Rosado como as manhãs do pêlo da
própria infância,/ mascando o freio com ânsia, parece até que sorria,/
chamava-se 'fantasia',/ era a flor daquela estância.
O cavalo que encilho nesta quadra da
existência/ dei-lhe o nome de experiência,/ é um picasso de bom trote/ e
levando por diante o lote,/ rumbeio à 'Eterna Querência'."
Estimado Edson Otto, fazemos votos que
Deus nosso Pai, nosso supremo tropeiro, continue lhe derramando suas bênçãos e
lhe permita viver muito tempo na querência do pampa e que continues espalhando
teus talentos para o bem deste mundo. Meus parabéns. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): A Ver.ª Margarete
Moraes está com a palavra pela Bancada do Partido dos Trabalhadores.
A
SRA. MARGARETE MORAES: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs.
Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Nesta época em
que a primavera se anuncia, a nossa Cidade, Porto Alegre, converte-se em uma
grande cena, em um grande palco de dança e de teatro, aqui e em outras
localidades, mas, junto com o Festival Internacional Porto Alegre em Cena,
centenas de peões e de prendas vestidos a rigor, vestidos a caráter, tomam
conta das ruas da nossa Cidade, das praças, das escolas, das repartições
públicas, e reúnem-se, quotidianamente, no Parque da Harmonia. Esse espaço
especial que, na verdade, realiza e constitui um grande encontro cultural, um
encontro solene, porque cultiva as nossas melhores tradições no acampamento
Farroupilha que realiza, de fato, hábitos, usos e costumes dos gaúchos e das
gaúchas do campo, nos mais diversos e amplos aspectos, mas sempre tem como eixo
principal, como essência, o resgate dos nossos valores, dos valores da honra,
da liberdade, que já se constituem em um irrenunciável patrimônio dos povos do
Sul do Brasil, porque, quando se trata de 20 de setembro, muito além da saga
Farroupilha, de figuras, de personalidades que já marcaram a história do
Brasil, como Bento Gonçalves, como o General Neto, com seus acertos, seus
méritos, sua decência, Cel. Ivo Benfatto, também nos seus erros, porque devemos
aprender com os erros do passado. É importante que, neste momento, lembremos figuras
como Barbosa Lessa, como Glaucus Saraiva e, em tempo presente, Paixão Côrtes e
de Antônio Augusto Fagundes, o Nico, figuras que se dedicaram, e que permanecem
se dedicando, a compreender e aprofundar a história do mito do gaúcho, na
guerra e na paz, naquilo que é único e "irrepetível", num jeito
singular de ser e estar que se expressa e se traduz nos mais ricos símbolos e
signos que eu poderia citar nas lendas, na literatura, na música, na poesia,
nos ritos, na dança, na indumentária, na figura do cavalo e o que significa
isso no Rio Grande do Sul, tão bem expresso por Vasco Prado na sua escultura. E
na literatura, gostaria de citar Simões Lopes Neto, ele mesmo, é uma lenda.
Toda essa questão do tradicionalismo tem uma inspiração, tem uma fundamentação
na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Revolução Francesa, nos seus
ideais, Ver. Reginaldo Pujol, de liberdade, igualdade, fraternidade e
humanidade, porque é sempre importante, é sempre necessário valorizar e
respeitar as pessoas, principalmente, e, sobretudo, ampliar a nossa condição
humana, na idéia da República que, em sentido literal, quer dizer a coisa
pública, aquele bem que é de todos e que devemos cultivar, na idéia de uma
Pátria, na noção do civismo e no nosso Brasil que luta, cada vez mais, por ser
soberano e que, nesta semana, não se dobrou à Organização Mundial do Comércio,
nesta Pátria que ainda quer ser cidadã, digna, plural, inclusiva e justa
socialmente. São essas idéias e esses conceitos que fundamentam o nosso
nativismo e o nosso tradicionalismo.
Ver. Reginaldo Pujol, na condição de
ex-Secretária Municipal da Cultura, eu tive a honra de participar da primeira
entrega do Prêmio Glaucus Saraiva ao Antônio Augusto Fagundes, ao Nico, numa
cerimônia emocionante em que ele não conseguiu concluir seu discurso. Isso foi
um fato marcante, e quero, portanto, cumprimentar o Ver. Reginaldo Pujol,
sempre sensível ao universo das subjetividades, da arte, da cultura, daquilo
que nos diferencia e que singulariza uma comunidade, uma cidade, um Estado, um
povo. Ele se inspirou em Glaucus Saraiva que foi aquela pessoa que, em 1961,
escreveu a Carta de Princípios que fundamenta todo o nosso tradicionalismo, e,
hoje, o Ver. Reginaldo Pujol, com muita propriedade, homenageia outro gaúcho, o
Edson Otto, esse gaúcho de Carazinho, que tem um largo currículo de serviços
prestados a essa causa, que é um militante do tradicionalismo e do nativismo e
que, só na Exposição de Motivos, há mais de quatro páginas; portanto, seria
impossível elencar todas as suas qualidades e os seus serviços, mas eu gostaria
de destacar o jornal Tradição, em que conheci a sua contribuição, Edson, aos
conceitos, à reflexão, à organização, a sua condição de direção nas
instituições públicas e privadas, citando o MTG, o IGTF, e a sua participação
decisiva num dos maiores festivais do Rio Grande do Sul, que é a Califórnia da
Canção Nativa, e a sua condição de poeta e de compositor.
Receba os parabéns da Bancada do Partido
dos Trabalhadores por essa merecida comenda.
Neste momento, eu também gostaria de
fazer algumas referências a personalidades presentes ou ausentes com quem eu
tive oportunidade de conviver nessa luta por nossa arte, por nossa cultura,
como é o caso do Sr. Manoelito Savaris; da Sra. Líria Ramos, essa grande
prenda, também uma militante dessa causa; com muita sinceridade ao Cel. Ivo
Benfatto, que foi o primeiro Presidente e construtor do Conselho Municipal de
Cultura de Porto Alegre; ao querido amigo Augusto; Alencar; ao companheiro
Knerim; enfim, a todas as personalidades com quem eu tive oportunidade de
conviver, que sempre com muita sobriedade, com muita dignidade, com muito
espírito público, eu creio que elevam o significado deste momento e elevam a
condição da causa tradicionalista.
Portanto, em nome da Bancada do Partido
dos Trabalhadores, eu quero cumprimentar todos os gaúchos e gaúchas, o Ver.
Reginaldo Pujol, por sua feliz idéia de instituir esse Prêmio, nesta Casa, que
simboliza o pensamento político de todas as forças de Porto Alegre e,
principalmente, ao Sr. Edson Otto, o principal motivo desta solenidade. Muito
obrigada. (Palmas.)
(Não revisto pela oradora.)
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O Ver. Cláudio
Sebenelo está com a palavra e falará em nome do seu Partido, o PSDB.
O
SR. CLÁUDIO SEBENELO: Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs.
Vereadores (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Saúdo essa
magnífica delegação que usa o azul na farda e que está aqui nos prestigiando
hoje nesta festa tão linda da Aeronáutica.
Eu queria dizer que há um Vereador nesta Casa que lidera pelo seu
talento, pela sua competência e pela sua forma de ser um extraordinário amigo
de seus amigos, o Ver. Reginaldo Pujol, que surgiu das barrancas do Quaraí para
nos inspirar, nesta tarde. A minha maior homenagem a ele é dizer que com ele eu
só tenho aprendido.
Meu caro José Edson, um dos melhores
momentos de inspiração ao definir o gaúcho e seu perfil psicossocial, foi
expressado pelo extraordinário poeta João Carlos Ribeiro Hudson. Ele tinha uma
frase, que eu aprendi com ele na minha infância e até hoje não esqueço: “Há um
profundo misticismo no gauderiar dos andejos”. Pois o gaúcho é o povo que mais
tem construído caminhos. E o caminho é feito pelos andejos. Os caminhos são
feitos pelo gauderiar errante, nômade, em diáspora pelo nosso chão em busca de
outros Estados, na imensidão deste Brasil ou mesmo, e muito, fora dele. E o seu
misticismo contagiante é também uma forma de sentimento, de percepção da nossa
mestiçagem, de suas etnias, da soma de influências, de culturas, desembocando
em seu caudaloso jeito de falar, em suas danças, em suas músicas e em inúmeras
obras-primas que traduzem exatamente esse pensamento de Ribeiro Hudson. Paulo
Ruschel, em Os Homens de Preto, presenteia o Rio Grande com um estudo
sociológico da peonada. Gaúcho a cavalo no pampa, gaúcho a pé, como nos ensina
Cyro Martins, no louco urbano das megalópoles. Barbosa Lessa, no Negrinho do
Pastoreio, explica exatamente a mística que transportou a liberdade das
planuras infinitas trocando-a pelo embretamento das cidades.
O Dr. Ruben Oliven é um sociólogo,
professor da UFRGS, num dos trabalhos mais lindos sobre o assunto, ele explica
a criação dos CTGs nas cidades como uma tentativa de regressão ao gregário da
solidão do pampa, enfrentamento que se antagoniza com a misantropia do
indivíduo na cidade, cercado de gente, rosto na multidão, mas sentindo-se
absolutamente só.
É por isso, Dr. José Edson Gobbi Otto,
que eu lhe dedico como homenagem, exatamente, o poema “Ilharquipélago”. (Lê.)
Galopa no peito, / a ânsia do perto. / Só não desperto / do rasteiro capim, /
pois ainda bate / em mim planura, / um galpão de amarguras / feito mate e fogo
de chão./ Esta chama que m’espia,/ que se chama misantropia,/ é a mesma que
incendeia/ cadáveres a esmo,/ em demográficas explosões./ Andarilho, só,/
pampeio nômade,/ filho da proximidade./ Rosto na multidão,/ pela
“cidade-estufa”/ bufo e me despedaço/ em milhões de cavalos de aço/ Quero-me
ilha perdida/ no meio do povaréu,/ sou arquipélago, na lonjura do pampa”.
É esse o gaúcho, suas façanhas, sua história, sua saga, que
reverenciamos nesta semana de nossas raízes pampeanas, de nossa epopéia
farrapa, de nosso hino, feito pelo Maestro Mendanha, que me tira do sério
quando eu penso que “nossas façanhas sirvam de modelo a toda a terra”.
É exatamente esse misticismo, quase
sentimento, quase patriotismo e veneração que eu gostaria de falar para vocês,
em forma de emoção. Eu gostaria de entrar para dentro da cabeça e dos
sentimentos de Bento Gonçalves da Silva e saber o quanto de ódio, de amor, de
frustração, de derrotas, de triunfos, de renúncia e de poder se apossava dele a
cada batalha, a cada comando.
Eu tive como professor de História, no
ginásio, uma das maiores “cabeças” que este Rio Grande produziu, que foi o
historiador e professor Walter Spalding. Ele tem um livro inesquecível,
fantástico, com um título comum: “Guerra dos Farrapos”. Ele conta a historinha
de uma viúva que morava, já cega, no meio do pampa, sozinha. O que Bento
Gonçalves deve ter sentido quando, enlouquecido de fome e cansaço, no meio do
pampa, a solidão de uma palhoça se oferecia, com água, comida, pouso, e um
cavalo! Tudo o que ele queria na vida era aquele cavalo, e a velhinha cega lhe
diz: “Só abriria mão deste cavalo para uma pessoa neste mundo. Só para Bento
Gonçalves da Silva”.
E a emoção de David Canabarro, ao
enfrentar a sedução do apoio do Presidente da Argentina, o ditador Rosas, com
tropas, alimentos e armamentos: “O sangue do primeiro gringo que atravessar a
fronteira servirá de tinta para assinar a paz com a Coroa Imperial”.
E, ontem, a emoção do Teatro de Equipe,
que, aos 40 anos, sobreviveu, com seu protesto contra todas as ditaduras, a
favor de toda a democracia. “Liberdade, igualdade, fraternidade”.
E a felicidade de J. Simões Lopes Neto
quando viu prontos os seus Contos Gauchescos e Lendas do Sul, que não é só
pesquisa, mas que, juntados à idéia de Casos do Romualdo, é a nossa história,
do gaúcho bufão, do gaúcho em sonhos.
Um dia na casa da advogada Helena Ibañez,
eu fui ver uma palestra de uma das figuras centrais deste Estado, que se chamou
Mozart Pereira Soares. Mozart, Ver. Reginaldo Pujol, falava sobre um dos temas
que eu pensava ser dos mais áridos: era sobre a geologia do Rio Grande do Sul.
E ele falava com uma desenvoltura! Lembrava Érico Veríssimo, lembrava de Ana
Terra, cuja vida foi marcada pelo vento, porque ela nasceu em dia de vento. Ele
explicava os ventos de Ana Terra, ele explicava o primeiro amor de Ana Terra
numa tarde de vento em Sorocaba, ele explicava o caminho da venda das mulas, do
charque para a mineração, para os escravos, lá no centro do País, lá nas minas.
Mozart Pereira Soares tinha 45 minutos
para falar sobre o assunto; era uma hora da manhã e ninguém queria sair de lá,
porque Mozart Pereira Soares era, indiscutivelmente, alguém que “caminhava
sobre as águas”, que “multiplicava os peixes, o pão” e tinha o dom da
ubiqüidade.
E a emoção de Anita e Giuseppe Garibaldi,
sempre em fuga, sempre guerreando, sem direito a lar, a paradeiro, à paz, à
liberdade?!
E a emoção ensandecida do Índio Sepé,
imolado na defesa de seu povo contra os ditos, entre aspas, civilizados,
portugueses?!
Todas as cerimônias desta Casa terminam
pela emoção do Hino Rio-Grandense, que é a expressão musical e poética de um
povo que tem em Daiane dos Santos a sua heroína de hoje; em Luiz Felipe
Scolari, o nosso Felipão, o seu herói; em Furriel Luiz Antonio Vargas, o seu
exemplo; e no General Osório, um dos meus heróis, Coronel Pedro Américo Leal.
E a felicidade do nosso gaiteiro Gilberto
Monteiro, quando viu pronto e cantou pela primeira vez o “Pra ti, Guria”?
Mas épicos e heróicos têm sido os dias de
nossas mulheres, de nossas mulheres negras, de nossas mulheres índias, as que
deixaram as prendas e foram para a maternidade parir um povo para suas fábricas,
hospitais, aeroportos, estradas e megalópolis.
É essa emoção que sinto, agora, falando
da tribuna de um Parlamento da Capital dos pampas para a sua população, com a
consciência de que fomos, somos e seremos um povo predestinado, ordeiro,
pacífico, plural, apesar de nossas polarizações, inteligentes, cultos, cheios
de bonomia - mas que nunca pisem no nosso poncho! Somos gaúchos com sangue nas
veias e até por dentro dos olhos, e por isso vivemos esse extraordinário
momento com o usufruto de termos uma terra em forma de coração: pampa, mar,
serra, planalto; um povo movido pelo minuano, pelo amor, pela busca de um mundo
muito melhor, mas muito melhor mesmo, parecido com o Rio Grande, a nossa terra,
a minha querida terrinha! (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O Ver. Raul Carrion
está com a palavra e falará em nome do PC do B.
O
SR. RAUL CARRION: Exmo. Ver. Elói Guimarães; Exmo. Sr.
homenageado, José Edson Gobbi Otto, em nome de quem saúdo todas as autoridades
civis, militares, religiosas, já devidamente nominadas; prezado Ver. Reginaldo
Pujol, autor primeiro da Lei que criou o Prêmio Tradicionalista Glaucus Saraiva
e, em segundo lugar, autor de uma merecida homenagem, aprovada pela unanimidade
da Casa, que concede, hoje, este Prêmio ao José Edson Gobbi Otto; demais
Vereadores, Vereadoras, todos aqueles que abrilhantam este ato singelo, mas tão
importante, que reverencia, em primeiro lugar, os 168 anos do 20 de setembro de
1835, que marcou o início da Guerra dos Farrapos, que por mais de dez anos
resistiu ao Império Brasileiro, desfraldando as bandeiras da República e da
Federação. Movimento que marcou profundamente a História, o imaginário e o
caráter do povo gaúcho, moldando as suas tradições progressistas e libertárias.
Como historiador, me é vedado cair na tentação das avaliações puramente
laudatórias - incapazes de perceber os inevitáveis limites históricos e as
contradições do processo -, da mesma forma, não posso ficar nas avaliações
anti-históricas dos que reduzem a luta dos Farroupilhas a uma mera disputa
inter-oligárquica. Saindo das controvérsias menores, de se a Revolução
Farroupilha ou foi federalista, ou republicana – ou foi ambas as coisas, com
ênfases diferenciadas, segundo o momento, ou segundo o setor social; ou se ela
foi separatista ou não - e o foi, circunstancialmente, quando as demais
revoltas liberais foram sufocadas no nosso Brasil, mas sempre defendendo uma
federação Republicana, com todas as províncias que viessem a romper com o
Império absolutista. E, nesse sentido, aponta a criação da República Juliana em
Santa Catarina. O certo é que a luta dos Farrapos foi um movimento
progressista, republicano e federalista, sob hegemonia dos proprietários rurais
gaúchos, mas com forte participação popular. Do outro lado, estava a monarquia
imperial, centralizadora, que tinha por base as plantations, a monocultura exportadora e a escravidão. Aqui se
situa outra controvérsia – a nosso ver, de grande importância – sobre o caráter
abolicionista ou não da Revolução Farroupilha. Para essa questão não cabe uma
resposta unívoca. Aqui é preciso considerar as contradições existentes entre os
próprios líderes Farrapos. De um lado, João Manuel de Lima e Silva, parente do
Duque de Caxias, que, logo após a captura de Pelotas, em 1836, libertou e armou
centenas de escravos.
Do mesmo lado, Garibaldi, Herói de Dois
Mundos, Rosseti, Zambeccari, os mulatos Domingos José Almeida e José Mariano de
Mattos, líderes e ministros farroupilhas. General Neto, Ulhoa Cintra, General
Portinho, o próprio Bento Gonçalves, que na Assembléia Constituinte, propuseram
a Abolição da Escravatura.
Do outro lado, Vicente da Fontoura,
Canabarro, Onofre Pires, representantes dos setores mais conservadores da gesta
farroupilha e defensores da escravidão. Posições que se chocaram, nestas e em
outras questões, no decorrer desses 10 anos.
Também queria aproveitar essa rápida
avaliação histórica desse importante movimento do nosso povo para resgatar, na
memória da Revolução Farroupilha, a participação dos negros, principalmente,
mas não somente por meio do Corpo de Lanceiros Negros, do bravo Teixeira Nunes,
que, constituído já em 1836, foi uma das principais tropas de choque dos
Farrapos, lanceiros esses dizimados às vésperas da paz, depois de desarmados,
na chamada Traição de Porongos, em 14 de novembro de 1844, até hoje motivo de
grandes controvérsias históricas.
Para finalizar, peço licença para
declamar algumas estrofes poéticas que aproximam a gesta Farroupilha dos dias
de hoje.
Como disse o poeta:
“Levantam-se na paisagem/ Desta minha
alma campeira,/ As crinas da cabeleira/ Daquela indiada selvagem/ Que misturava
coragem/ Com rasgos de fidalguia,/ Entremeando ventania,/ Com terra e com
sacrifício,/ - Peleadores por ofício/ Porque a vergonha exigia.
Velhos sinais de perigo/ Ou - melhor dito
- de luto,/ Até parece que escuto/ Trovoadas de um tempo antigo,/ Quando o
taura - ao desabrigo,/ Com sangue à meia costela,/ Calçava o pé na cancela,/
Neste garrão de querência,/ Para manter a permanência/ Da Pátria Verde Amarela!
Aqueles que não entendem/ Nossa base de
estrutura,/ Ou não leram a escritura/ De onde os gaúchos descendem,/ Os que
compram e que vendem/ Sem respeitar a legenda,/ Os do encobre e do remenda,/ Do
esbulho e do desmande,/ Não sabem que este Rio Grande/ Não é uma sucata à
venda!!”
Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): Solicito ao Ver.
Reginaldo Pujol que assuma a presidência dos trabalhos, para que este Vereador
possa fazer a sua manifestação.
(O Sr. Reginaldo Pujol assume a
presidência dos trabalhos.)
O
SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): O Ver. Elói Guimarães
está com a palavra em nome do Partido Trabalhista Brasileiro e do Partido
Democrático Trabalhista.
O
SR. ELÓI GUIMARÃES: Ver. Reginaldo Pujol, permita que eu me
dispense de fazer a citação da Mesa, uma vez que anteriormente havia feito, mas
quero saudar um piquete de cavalarianos do PTchêB que acaba de chegar aqui na
Câmara, homens e mulheres que estão com seus pingos atados aqui junto à Câmara Municipal,
liderados pelo Ronei, pelo Tio Armando, enfim, um grupo de gaúchos e gaúchas.
Eu rapidamente quero aqui fazer uma
reflexão curta e grossa, Edson Otto, como “coice de porco”, bem rápida.
Primeiro para dizer que nos preocupa
quando muitas vezes se quer carimbar, tachar a Revolução Farroupilha, o
Movimento Farroupilha, de separatista. Talvez, muitas vezes, escritores
apressados, ou historiadores não bem informados saiam a campo a dizer coisas
que precisam receber a devida avaliação histórica.
Se nós pegarmos o Movimento Farroupilha e
examinarmos os seus componentes, toda a sua história, todo o processo que se
desenvolveu durante 10 anos, a maior guerra de todos os tempos da história da
humanidade foi a Revolução Farroupilha, 10 anos de luta incessante, permanente,
quanto a Capital da República de São Pedro trocava de Município a Município, de
querência a querência, segundo os azares ou a felicidade da luta.
Se nós pegarmos o acordo de Paz de Poncho
Verde, por exemplo, e examinarmos profundamente as cláusulas ali estabelecidas
- e não nos vamos demorar nessa análise -, nós vamos ver que de forma nenhuma,
absolutamente, a Revolução Farroupilha tem algo separatista; antes pelo
contrário, ela, exatamente, aqueceu o espírito para a integração nacional mediante
uma série de medidas. Uma delas foi quando se fez a Paz de Poncho Verde e se
fez estabelecer a divisória com o nosso querido irmão Uruguai. Uma das
exigências dos revolucionários de 1835 é que se estabelecesse a divisória com o
vizinho país Uruguai, que tinha a área, a cancha; o território mudava da noite
para o dia, então os revolucionários exigiram que se demarcassem esses limites.
David Canabarro, por exemplo, com o seu
brado, dizendo que o primeiro castelhano que atravessasse a fronteira –
oferecido por Rosas, uma oferta de Rosas - com o seu sangue nós haveríamos de
assinar a paz com os imperiais. E aí se vai uma série de ações concretas,
objetivas, documentadas na História, que eliminam isso, e até porque, é bom que
se diga, e é bom que se afirme, nós gaúchos, nós somos brasileiros por opção. A
nossa brasilidade não ocorreu de nenhum tratado e de nenhum acidente
geográfico; se deu exatamente no calor das revoluções que se fizeram na
demarcação das nossas fronteiras.
Por outro lado, dizia ao Cel. Irani
Siqueira, que nós precisamos fazer um resgate do grande Caxias. Da importância
do Duque de Caxias, cujo bicentenário se comemora este ano - 200 anos de Caxias
-, que teve um papel extraordinário, magnífico, porque em sendo mandado para o
Estado como General, chefe das armas, embora tenha feito confronto, é verdade,
com os Farrapos em diversas áreas da Província, encaminhou com os Farroupilhas
o entendimento. E só foi possível a Paz de Poncho Verde exatamente porque havia
uma grande compreensão de Caxias, que, embora numa situação favorável, a partir
de 1840, teve a larga compreensão para o entendimento. E o entendimento que se
fez com a Paz de Poncho Verde, incluiu todas as reivindicações da Revolução
Farroupilha: a demarcação da fronteira, a questão do charque, as altas taxações
que se faziam ao sal, por exemplo, um produto indispensável ao desenvolvimento
da indústria charqueira do nosso Estado; a incorporação daqueles que combateram
na Frente Farroupilha ao Exército Imperial; enfim, uma série de atos e acontecimentos
que afastam definitivamente a tentativa de nos carimbar como separatistas. E é
bem verdade, poderia até, em determinados momentos, ter havido estratégias,
para, no curso da luta, se chegar aos desideratos pelos quais se lutava.
Então, os ideais farroupilhas são muito
nobres, muito nobres! E estão aí os ideais da própria Revolução Francesa:
liberdade, humanidade, cordialidade, fraternidade. Foram as bandeiras maiores
da Revolução Farroupilha. E a República, e a República que 50 anos depois é chegada
no País, em 1889. A República de Piratini, a República rio-grandense, enfim,
são pródromos de um dos modelos governativos mais nobres de que se tem
conhecimento. A República, a res publica,
a coisa pública, Ver.ª Margarete Moraes, a República Federativa, com a escolha
do dirigente pelo povo, por um determinado tempo. São predicamentos da
República. E por aí se vai, é toda uma saga fundamental que construiu esse povo
gaúcho, essa mescla fundamental em que se trançam diferentes etnias e no qual
se formou esse homem gaúcho, mistura de soldado com campeiro.
Mas eu queria, agora, encerrando, dizer
ao Edson Otto, essa figura decantada aqui da tribuna, uma poesia, exatamente
uma grande poesia que foi do Glaucus Saraiva. Essa poesia que chama a atenção
para esse fator de confraternização, entendimento e igualdade que é “O
Chimarrão”, de Glaucus Saraiva, que invoca a Revolução Farroupilha.
Então, em tua homenagem, Edson, eu quero
aqui declamar “O Chimarrão” dessa grande figura que dá o nome ao Título, que
foi Glaucus Saraiva.
Essa poesia diz mais ou menos assim:
“Amargo doce que eu sorvo/ Num beijo em
lábios de prata/ Tens o perfume da mata molhada pelo sereno/ E a cuia, seio
moreno/ Que passa de mão em mão / Traduz no meu chimarrão/ Em sua simplicidade/
A velha hospitalidade da gente do meu rincão/ Trazes à minha lembrança/ Nesse
teu sabor selvagem/ A mística beberagem do feiticeiro charrua/ O perfil da
lança nua encravada na coxilha/ Apontando firme a trilha/ Por onde rolou a
história/ Empoeirada de glória/ Das tradições farroupilhas/ Em teus últimos
arrancos/ No ronco do teu findar/ Ouço um potro corcovear na imensidão desse
pampa/ E em minha mente se estampa/ Reboando dos confins/ A voz febril dos
clarins/ Repinicando avançar/ Então, me fico a pensar/ Apertando o lábio assim/
Que o amargo que está no fim/ a seiva forte que eu sinto/ é o sangue de 35/ que
volta verde prá mim.”
E viva a República de Piratini! (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): Retorno a presidência
dos trabalhos ao Ver. Elói Guimarães, depois desse belíssimo pronunciamento.
(O Ver. Elói Guimarães reassume a
presidência dos trabalhos.)
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): O piquete está-se
retirando, evidentemente, para uma cavalhada aí embaixo. Eles têm que sair.
Queremos, em nome da Câmara Municipal de Porto Alegre, agradecer a visita do
Piquete PTchêB, aqui com tantos valentes gaúchos e gaúchas. Muito obrigado.
(Palmas.)
Convido o Sr. Luiz Dexheimer e o Ver.
Reginaldo Pujol a procederem à entrega do Prêmio Tradicionalista Glaucus
Saraiva ao Sr. José Edson Gobbi Otto.
(Procede-se à entrega do Prêmio.)
(Palmas.)
Convidamos a fazer uso da palavra o Sr.
José Edson Gobbi Otto.
O SR. JOSÉ EDSON GOBBI OTTO:
Sr. Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da
Mesa e demais presentes.) Sejam minhas palavras iniciais para agradecer do mais
fundo de mim, a generosidade do prezadíssimo companheiro de lides gaúchas e
ideais, Ver. Reginaldo Pujol, e demais integrantes da Câmara Municipal de Porto
Alegre, pela outorga que me fazem, nesta solenidade, do Prêmio Tradicionalista
Glaucus Saraiva. Mas, se neste momento me invadem sentimentos da mais generosa
e intensa gratidão, este despretensioso guasca sente que todo o seu ser acaba
ocupado por uma preocupação imensa de, responsavelmente, fazer jus pelo tempo
afora às expectativas que determinaram fossem o meu nome indicado para ocupar a
galeria de honra de um dos mais cobiçados e importantes lauréis distribuídos
com muita parcimônia, a cada ano, pela Casa do Povo da Capital Gaúcha.
Observando que sou o oitavo gaúcho a receber o Prêmio Tradicionalista Glaucus
Saraiva, e que antes de mim aqui estiveram, pela ordem, meus queridíssimos
irmãos de causa Antônio Augusto Fagundes, Luiz Menezes, Luiz Carlos Barbosa
Lessa, Elma Santana, Mozart Pereira Soares, Paulino Pires e o ilustre
são-borjense que anda pelo mundo, com sua gaita a tiracolo, cantando as coisas
do Rio Grande, capacito-me a respeito da importância em que me têm algumas
pessoas, que devem ter sido conduzidas a me colocarem em tão elevado pedestal
muito mais em função da generosa amizade que nutrem por mim, do que pelos
eventuais méritos que eu possa possuir, os quais, caso existentes, foram
percebidos por eles através de muito poderosas lentes de aumento. Apesar de
todas as atribulações que tive, e tenho, de enfrentar na vida, as Senhoras
Vereadoras e os Senhores Vereadores que ocupam assento neste Legislativo,
acrescentam em mim uma felicidade imensa, nesta tarde em que o Rio Grande do
Sul e seus pró-homens são cantados e decantados com todas as veras das nossas
almas.
E, palavra de
honra que me sinto um tanto acanhado diante dessa homenagem que jamais se
apagará da minha memória por mais tempo que o Patrão dos patrões me alcance de
vida. E já que minha guaiaca é tão carente daqueles bens com que eu pudesse
retribuir tão crescido gesto de bondade, rogo a Ele que vos devolva tudo aquilo
e mais um pouco do que eu desejaria vos entregar.
Permita-me,
também, Sr. Presidente e meus distintos camaradas aqui presentes, um
agradecimento especial à tradição gaúcha por mais esse galardão que recolho tão
venturosamente. Não fora meu amor e devoção por ela e por esse movimento
formidável que acalenta todos os seus maiúsculos valores, e certamente outra
pessoa aqui estaria, neste momento, recebendo essa homenagem. Premiando-me, Sr.
Presidente, Sras. Vereadoras e Srs. Vereadores, estais premiando, em síntese, o
próprio Movimento Tradicionalista Gaúcho, do qual sou, desde quase dois anos
passados - quando deixei a Presidência da Confederação Brasileira da Tradição
Gaúcha -, um simples peão; apenas humilde soldado, igual tantos e tantos outros
que anonimamente servem nas suas forças, muitos deles obrando em tamanho grau
de discrição e quietude que, muitas vezes, nem tomamos ciência dos resultados
que eles nos alcançam individualmente e que recolhemos como produto coletivo
dos agentes do mais fecundo e agigantado organismo de conotações associativas,
cívicas e culturais existentes no planeta. Foi, pois, com toda a certeza, minha
devoção ininterrupta a este Movimento Tradicionalista Gaúcho, no qual ingressei
pelas porteiras escancaradas do CTG Pedro Vargas, na minha Carazinho, entidade
que ajudei a fundar há pouco mais de 50 anos, que trançou as rodilhas desse
laço que me acolheu em sua armada mais de generosidade, repito, do que de
reconhecimento por alguma coisa que eu possa ter realizado.
Incrível manancial de poetas e homens de
letras que de Quaraí se projetaram para o Brasil e para o mundo. Desconfio que
nenhum outro Município rio-grandense, alguns muito maiores em área física e em
número de habitantes, tenha produzido tantos literatos quanto o histórico
Quaraí, solo no qual se escreveram também algumas das mais heróicas e ferozes
páginas da nossa história. Desde os tempos em que nossos ancestrais empurravam
fronteiras, passando pelas andanças da “República Andarilha”, chegando mais tarde às Califórnias de
Chico Pedro, 93 e 23, além de outros entreveros que encharcaram de sangue
civismo e glória a nossa querência sagrada.
E foi naquele solene e altivo território
gaúcho que, num 1º de outubro de 1939, nasceu, filho de Ruth e Ivo Pujol,
aquele que viria a se destacar, mais tarde, longe de seu torrão natal, como
altivo homem público, nosso prezadíssimo amigo, o Ver. Reginaldo da Luz Pujol.
O curso de Bacharel em Direito ampliou,
com muita certeza, os horizontes de quem, cursando também a universidade da
vida, viria a ser cinco vezes eleito Vereador da Capital dos Pampas, para aqui
atuar, mantendo ao longo de sua atividade pública, retilínea linha de conduta,
desde a antiga UDN, passando pela ARENA, pelo PDS, para ancorar definitivamente
no PFL.
Salvo no período forçado da dualidade
partidária imposta ao Brasil, Pujol sempre militou em partidos muito fortes
nacionalmente, porém sem figuração relevante no território rio-grandense.
Embora isso, seu talento para a melindrosa arte da política permanentemente o
manteve em destacada posição no cenário de Porto Alegre, onde tem granjeado
cada vez mais simpatia e acrescido amizades, acatamento e respeito, mesmo
frente a aguerridos adversários políticos dos quais sou exemplo.
Foi titular da Secretaria Municipal de
Transportes, onde realizou trabalho meritório, e como Secretário Municipal da
Produção, Indústria e Comércio foi tão eficiente e atuante em múltiplos setores
que, sob sua administração e vigilância, foi criado o Brique da Redenção e sua
competente legislação que serve de modelo até internacionalmente.
Projetou o Distrito Industrial e acabou
decidindo uma aguerrida disputa pela preservação do fantástico monumento
arquitetônico que é o nosso Mercado Público, afora uma série avultada e
preciosa de outras realizações, mas foi no Departamento Municipal de Habitação
que a sua força empreendedora melhor se revelou nas duas oportunidades em que
dirigiu aquele órgão.
Foi dele a idéia da criação e execução
inicial do famoso Projeto Pró-Gente, por meio do qual nada menos de 51
conjuntos habitacionais foram implantados, regularizados e urbanizados com
benefício pessoal para mais de 150 mil pessoas. E esse homem, militante
partidário de agremiações que se situam mais à direita, praticamente não
encontra correspondente na sua devoção pelos mais humildes, aos quais serviu e
serve com tamanho empenho e devoção, que mantém reconhecidos inúmeros porto-alegrenses,
sobretudo, na área do Conjunto Residencial Nova Restinga, quase uma outra
cidade dentro da Capital, onde, mercê da sua criatividade, imaginação e
execução, muitos dos beneficiados por sua obra samaritana chegam a idolatrá-lo
ainda hoje.
A liberdade de comércio, com a opção para
a abertura aos domingos, a oficialização, em nível municipal, da Semana
Farroupilha, o uso facultativo do cinto de segurança em horário noturno, no
perímetro urbano de Porto Alegre; a criação do Crédito Educativo Municipal; o
aproveitamento parcial das calçadas por determinados tipos de bares e
restaurantes; a proibição das negocistas, negociatas, negociadas e escrachantes
lutas livres; e a instituição do Prêmio Glaucus Saraiva, são apenas algumas
contas do imenso rosário de seus projetos, transformados em Lei pela Câmara
Municipal. Dentre eles, não se encontrando um só que avance no patrimônio
público ou privado. Mérito de um homem que, em razão de sua probidade, o tem
reconduzido, sistematicamente, a nossa edilidade, quase sempre ocupa posição de
relevância em sua Mesa Diretora.
Poderíamos dizer muito sobre a sua
atuação na advocacia, sobretudo na defesa dos interesses jurídicos da CEEE,
como conselheiro do seu e nosso, no dia de ontem, glorioso e centenário Grêmio
Porto Alegrense, e de diversas entidades tradicionalistas e carnavalescas,
assim como da avantajada contribuição que tem dado ao Rotary Club e muitas
outras entidades de cunho social, cívico e filantrópico.
Dona Maria Regina, única esposa, é sua
maior admiradora e incentivadora, acalentando o ninho onde o casal colocou dois
filhos, que têm orgulho em exemplificar-se no pai: Cristina e Reginaldo Filho.
Não costumo cercar permanentemente de
zelos e afetividades as pessoas por quem devoto mais afeto. Digam, por exemplo,
os meus mais antigos e queridos amigos Telmo de Lima Freitas e Antônio Augusto
Fagundes, que me devolvem, igualitariamente, meus sentimentos. Também sou muito
cuidadoso no sugerir-lhes coisas que sejam diferentes daquilo que,
costumeiramente, norteiam as suas atitudes, e se algum pedido lhes tenho feito,
eles jamais tiveram o cunho de favorecimento pessoal. Assim tem sido, de igual
forma, o meu relacionamento com Reginaldo Pujol, a quem, como certa vez,
apontando para mim e para mais três camaradas, Glaucus Saraiva decidiu
convocar-nos para um gesto extremo, eu repetiria, se estivesse vislumbrando
meus últimos dias: “tu, também!”
Possuímos, os gaúchos, virtudes que
poucos povos possuem, mas também, como não poderia deixar de ser, alentados
defeitos. Um, perigosíssimo, o da falta de memória. Por quê? Em meados do
último mês de julho, quase por acaso, fui ter com o Antônio Augusto Fagundes,
e, de relancina, lasquei: “Estás lembrado de que, no dia 17, vai fazer 20 anos
que o Glaucus partiu?” “Estás enganado!” - respondeu-me o Nico, incrédulo -
“Já! Não pode ser verdade!” E era verdade, sim. Por incrível que podia parecer
aos amigos mais chegados, que vivem falando no Glaucus, declamando seus poemas,
cantando suas canções, convivendo a cada passo com suas memórias, servindo-lhe
as primeiras gotas do trago que vão beber, assim que algum “bolicheiro” lhes
entregue o copo repleto.
Aguardei, calado, a
chegada da data, dirigindo meus primeiros pensamentos de orações do dia à alma
do velho “Catão”, que era como o Nico e outros o chamavam, e nem antes, nem
depois, presenciei qualquer menção ao fato dos 20 anos do falecimento do
inolvidável companheiro, no dia 17 de julho de 2003. Nem da parte do
companheiro Paulo de Freitas Mendonça, tão cuidadoso no seu Jornal do
Nativismo, com registros importantes como ao que me refiro, nem de parte do MTG
e do seu “Eco da Tradição”, como se ele fosse um qualquer, caído no olvido, e
muito menos no Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, do qual foi o
idealizador e primeiro Diretor Técnico, lugar onde, ao cair da tarde,
cabisbaixo com o acontecido, baixinho segredei para alguns sobre a ingratidão
que era cometida com o olvido, sobretudo, porque ele foi o maior responsável
por havê-los ensejado condições de terem sido guindados às funções e cargos que
estão a desempenhar.
Afinal, quem foi esse
Glaucus Saraiva, de quem poucos se lembraram do último aniversário do seu
passamento? Filho de Álvaro Saraiva da Fonseca e de Luiza Saraiva da Fonseca,
ali em São Jerônimo, onde o Taquari faz junção com o Jacuí, nasceu, na véspera
do Natal de 1921, um menino ao qual foi dado o nome de Glaucus Saraiva da
Fonseca, que viria a ser escoteiro, muito novo ainda, em Porto Alegre, para
onde transferira residência, local no qual sua precocidade filosófica
destinou-o a conhecer os mistérios da maçonaria.
Integrou o grupo fundador
do “35” - CTG, do qual foi o primeiro Patrão e criador da sua organização
simbólica. Com Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, Glaucus Saraiva constituiu a base
do tripé, em que, a partir de 1947, se passou a aquecer a chama da tradição.
Até por necessidade, devido à escassez de músicas e poemas gauchescos, Glaucus,
que já arranhava o violão, dá vezo ao estro que o transformaria num dos mais
importantes poetas do gauchismo. Recomendado compositor e até cantor, que
nesses primeiros anos do tradicionalismo, logrou razoável êxito, muito pouco se
comentando que ele integrou como vocalista o famoso conjunto Os Gaudérios, em
Porto Alegre, e o grupo que, no Rio de Janeiro, com o pouco semântico nome de
Quitandinha Sereneider’s, além de aparecer em diversas emissoras da então
capital do País. Atuava no célebre Cassino da Urca, responsável pela divulgação
de inúmeras composições do cancioneiro brasileiro e gaúcho formado, dentre
outros expressivos musicistas brasileiros, também pelos gaúchos Luiz Telles e
Paulo Ruschel.
Por essa época já existiam
suas composições: “Porongo Velho”, “Cigarro de Palha”, “Cusco Barbudo”,
“Tropeada”, seguidas de “Carreteiro”, “Boizinho Velho”, “Pescaria”; mais tarde,
a verdadeira obra de arte que é “Negrinho do Pastoreio” e a belíssima “Casa
Grande de Estância”, ambas em parceria com Luiz Telles, sendo que essa última,
na voz do saudoso Leopoldo Rassier, por quase nada deixou de bater a famosa
“Céu, Sol, Sul, Terra e Cor” na 2ª Ciranda Musical Teuto-Rio-Grandense. Uma que
outra delas foram gravadas pela notável Stelinha Egg, arranjadas por seu
esposo, Maestro Gaya, no Rio de Janeiro; outras pelo Quitandinha, no tempo em
que ele esteve no Rio, pelos Gaudérios e pelo Paixão Côrtes.
De cantor, radialista e
radioator, Glaucus mergulha fundo no folclore, percorrendo enormes extensões
brasileiras realizando pesquisas, sempre lendo e estudando história do Brasil e
do Rio Grande e costumes das gentes que neles habitam, transformando e
amplificando seu autodidatismo por meio do exercício do jornalismo e de grande
ação como historiador, professor e conferencista de invejável capacitação
técnica, circunstâncias que o levaram a ser, também, escritor, com várias obras
publicadas. Seu talento e brilho poderiam muito bem tê-lo levado a enveredar
por outros caminhos onde, certamente, não tivesse necessidade de, como lhe
aconteceu em inúmeras oportunidades, “ter de andar de guaiaca seca como bocó de
viúva”, mas preferiu andar sempre pelas trilhas da tradição gaúcha, que ele
tanto amou, ou jamais ter-se afastado das suas cercanias.
Após longa jornada por outros pagos, “de viola nos tentos e
querência na alma”, sempre de “cogote erguido pelo amor ao Rio Grande”, acabou
retornando aos rincões natais após “soltar, na invernada do tempo e da arte,
mais um pedaço do Rio Grande”, segundo expressões recheadas de gauchismo que ia
debulhando com tanta naturalidade quanto usava expressões que, em qualquer
outra boca, pareceriam chulas, grosseiras e agressivas, mas, na sua, pareciam
como remédios curadores de males vis, capazes de encantar até mesmo piedosas
donzelas recém-egressas dos colégios de freiras.
Reaquerenciado, o vulcão de idéias e
ideais que foi o Glaucus, entrou em erupção, dele jorrando torrentes fecundas
de sabedoria. Vieram os resultados das suas pesquisas de campo e de gabinete.
Colaborou na fundação da “Estância
Província de São Pedro”, da qual foi o primeiro diretor do Departamento de
Tradições e Folclore. Liderado por Hugo Ramirez, foi um dos criadores da
“Estância da Poesia Crioula”, o sodalício dos poetas gauchescos, em 1959. Viu
aprovada, no 8º Congresso Tradicionalista Gaúcho, de 1961, em Taquara, a Carta
de Princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho, de tamanha importância que o
MTG acabou por inseri-la como cláusula pétrea do seu estatuto. Criou programas
radiofônicos e televisivos para evidenciar o folclore, como “Fogo de Chão” e
“Campo Aberto”, integrando, na qualidade de historiador, “O Grande Desafio” e
“Donos de Opinião”, de fundas raízes sociológicas.
Escreveu e editou mais uma notável obra,
que serve como bíblia para os militantes do gauchismo, o “Manual do
Tradicionalista”. E foi escolhido pelo Governador Euclides Trichês - o mais
tradicionalista de quantos governantes tivemos até aqui - para assisti-lo como
assessor de assuntos culturais do governo gaúcho.
Daí para frente, como que
se transforma toda a vida do magnânimo gaúcho. Idealizou e erigiu o Galpão
Piratini, no pátio da sede do governo rio-grandense, inaugurado em 17 de agosto
de 1971, pelo então Presidente da República, General Emílio Garrastazu Médici,
e o alto comando da República, lugar onde Médici veio, gauchescamente, no
futuro, buscar, com o amigo fraterno e outros por ele escolhidos, novos alentos
para os duros embates que necessitou enfrentar. Integrou o grupo que deu embalo
às intenções salutares das quais resultou a Califórnia da Canção Nativa, da
qual foi importante jurado nos seus primeiros e vigorosos anos. Participou,
como mestre inigualável, de diversos cursos de formação em áreas técnicas,
científicas e turísticas, neles valorizando a tradição e o folclore gaúchos.
Foi o grande responsável pela participação do Palácio do Governo do Estado nas
comemorações iniciadas com a Chama Crioula de 1947, idealizando e mandando
confeccionar o Candeeiro Crioulo, que, a partir de 1972, e até hoje, é aceso
anualmente no saguão principal do Palácio Piratini, durante a Semana
Farroupilha, sugerindo, inclusive, a forma como a gloriosa Brigada Militar
participa do cerimonial, a partir de então.
Idealizou e foi autor do
anteprojeto que criou o Parque Histórico General Bento Gonçalves da Silva,
comandando com segurança a Comissão Extraordinária que realizou os estudos e
levantamentos do mesmo. Integrou a Comissão que redigiu o texto do Decreto nº
21.669, de 1972, criando as mais altas condecorações estaduais, como a
“Negrinho do Pastoreio”, “Simões Lopes Neto” e, em 1973, a “Medalha Assis
Brasil” e a “Ordem do Ponche Verde”.
Foi o primeiro professor de Folclore da
nossa Pontifícia Universidade Católica, e idealizou o Instituto Gaúcho de
Tradição e Folclore, integrando a Comissão que redigiu o Projeto de Lei nº
71/74, escrevendo a justificativa do mesmo, tendo vitoriosa a sua idéia quando,
aos 19 de setembro de 1974, a Lei n.º 6.736 instituiu o IGTF. Ajudou a redigir
o Estatuto da nova Fundação, e, quando da implantação do Órgão, foi nomeado seu
primeiro Diretor-Técnico.
De tanto ser pressionado pelos amigos e
admiradores, acabou reunindo seus poemas, alguns dos quais haviam sido
publicados esparsamente, entregando ao Nico, ao Retamozzo, ao Guilherme Shultz Filho, ao Mozart Pereira Soares, ao
Hugo Ramirez e a mim, e talvez para algum outro de sua intimidade, cópias dos
originais da obra, com um pedido para que a analisássemos e lhe apresentássemos
crítica. Ninguém, ao que me consta, conseguiu sugerir-lhe absolutamente nada,
pois os poemas eram todos muito parelhos, sem nenhum descartável em nada, o que
permite que o Rio Grande o eleja como o mais perfeito poeta do gauchismo que
existiu. Apesar disso, ele não conseguiu vê-lo em letra de forma, coisa que
somente aconteceu quando José Hilário Retamozzo foi diretor do Instituto
Nacional do Livro, e teve aceita por uma importante editora das nossas, a
edição bilingüe do livro, esgotada em muito pouco tempo e carecendo
urgentissimamente de uma segunda edição.
Muito, mas muito mais mesmo, realizou
Glaucus Saraiva na década de 1970 e nos primeiros anos de 1980, recebendo
poucos louvores pelo crescido trabalho que encetou pelo crescimento moral e
cultural do seu Rio Grande amado. Eu me estenderia demasiado se tentasse
alinhavar, aqui e agora, tudo o que ele nos propiciou. Por isso mesmo,
contrariando meus próprios princípios, redigi o texto que ora leio, para
impedir que o atropelo das idéias – tantas, tão profundas e vigorosas – fizesse
com que eu encompridasse demais este meu pronunciamento.
E ele, que tanto amou, foi mais uma vez
atropelado pelo desamor. Sentindo-se incapaz de recuperar o que perdera,
desinteressou-se pela vida e, qual garoa soprada pelo Minuano, viu sua saúde
física ir mermando, mermando, mermando... Embora seu brilho intelectual, ao
contrário de fenecer, crescia.
Incrível o que acontecia com ele, então.
Durante o dia e no trabalho se mantinha ativo, capaz, sóbrio. Porém, ao cair da
tarde, sempre que tinha oportunidade, sozinho ou tendo por perto amigos ou
conhecidos, libava com a sofreguidão de quem buscava no álcool remédio para
seus penates. Compreendíamo-lo, e, no apego de conservar-lhe por mais tempo
junto de nós, o aconselhávamos a que parasse. Mas era clara a sua intenção de,
se possível, abreviar a sua passagem por esta terra que tanto quis, para,
talvez, do outro lado do horizonte, encontrar a reciprocidade amorosa que por
mais de uma vez lhe foi madrasta. Comer e beber à noite e aos fins de semana se
tornou ato compulsivo para ele que, assim, castigava mais e mais o combalido
coração constantemente rebenqueado pelos excessos de álcool e pelas substâncias
graxas da pior qualidade, obstruindo cada vez mais seus condutos já
excessivamente comprometidos.
Aprontou-me uma, que já me manteve muitas
vezes preocupado e indormido, na noite de 4 de julho, exatos 13 dias
antecedendo sua partida. Ao encerrar-se uma reunião ordinária do Conselho de
Vaqueanos do “35” CTG, que integrávamos, convidou-me a permanecer no recinto,
e, quando já estávamos sozinhos, aproximou-se do balcão e pediu pastéis, dos
quais ele foi o maior comilão que conheci, e canha, servida em dois copos
lisos. E, entre alguma bicada e algumas mastigadas, foi sutilmente enveredando
por caminhos da sua exuberante e encantadora palestra, esticando as horas e me
conduzindo ao porre etílico.
Por muitas vezes, no futuro, titubeei entre ser o mais
tabacudo ou o de coração mais amanteigado dos seus amigos mais chegados, até
chegar à conclusão de que a última circunstância o levou a escolher a mim entre
Antônio Augusto e Retamozzo, para, consciente de que seu fim se aproximava,
confiar-me algo terrível. Penso que ele acreditou que seria mais fácil obter de
mim, do que dos demais, a promessa que não ousaria ver recusada, e, mesmo
assim, não teve a coragem de me propor estando nós em estado normal. Não me
pediu segredo, e, quando entendeu chegado o momento propício, disse que me
exporia uma situação a ser cumprida para o caso de que determinada
circunstância se me oportunizasse no futuro.
Exigiu lhe prometesse que, havendo recusa em atender a seu
pedido, mantivesse o mais absoluto sigilo sobre o assunto. A promessa de um
escoteiro e maçom, como ele também o era, deixava as coisas muito mais seguras
do que qualquer outro tipo de segredo, e, pormenorizadamente, me apresentou sua
incumbência, que relutei a aceitar, mesmo bêbado. Seu olhar, ansiosamente
dolorido, arrancou-me o sim mais doloroso que jamais pronunciei. Praza aos céus
não tenha de me defrontar com a situação que me arrancou a promessa referida, a
qual, por mais difícil que me for cumpri-la, sê-lo-á integral e plenamente.
Vimo-nos muito pouco nos últimos dias, e,
na noite da quarta-feira, 13 de julho de 1983, ali, no primeiro galpão erigido
pelo deslembrado Eng.º Kurtz, nesse Parque do qual Kurtz era o administrador,
ia acesa uma reunião da qual participavam alguns Secretários municipais, o
jovem e dinâmico Vereador Job, agitadores culturais, a direção do MTG, da
Estância da Poesia e outros órgãos, preparando uma grande exposição de artes e
outros correlatos. Inopinadamente, o Glaucus interrompeu alguém que estava a
falar e, apontando para Antônio Augusto Fagundes, Onésimo Carneiro Duarte, Luiz
Menezes e eu, apregoou de forma inconfundível: “Tu, tu, tu e tu vão carregar o
meu caixão!” Após algum silêncio, enérgico e de cenho encrespado, Nico
redargüiu: “O que é isso, Catão? Nós aqui tratando de coisas muito sérias e tu
nos sais com essa tremenda bobageira?” Agilmente, Glaucus revidou: “Não tem
nada de bobageira, não senhor”. Repetindo enfaticamente, inclusive os gestos:
“Tu, tu, tu e tu vão carregar o meu caixão!” Congelou o encontro, que logo
chegava ao fim, entre sussurros condenatórios à atitude do querido companheiro.
Na manhã seguinte, pouco depois de haver adentrado a sede do MTG, que ficava na
Rua da Praia, quase diante ao Quartel General da Brigada, Onésimo recebe a
visita de Glaucus que lhe atira, de chofre, esta incumbência: “Melão, vim aqui
para te pedir que avises o ‘Boca Funda’ que ele é o outro que quero que
carregue o meu caixão”. E mais, não disse para o estupefato Onésimo que, assim
se fez possível, transmitiu a ordem para o José Hilário Retamozzo, o ‘Boca
Funda’ em questão.
Não era comum, na época, eu tivesse livre
um fim de semana. Foi diferente aquele 17 de julho de 1983, e, estreitando o
meu convívio familiar, aproveitei para assar um churrasquito. Recém almoçáramos
e tínhamos ido para debaixo das árvores - era um mês de julho quente, aquele -
de um precioso capão de mato que guarnecia parte do terreno onde eu residia,
quando chega apressado um vizinho, e, acabrunhado, me anuncia que Paixão Côrtes
lhe pedira para anunciar-me que o Glaucus havia falecido e o velório se
realizava na Capela “C”, do Cemitério de São Miguel e Almas. Foi como se o
mundo tivesse desabado sobre mim! Porém, logo me recuperei e, após revigorante
banho, já pilchado, sem atinar com a razão do que se sucedia, dei de mão numa
das minhas malas de garupa e, aos poucos, fui colocando nela alguns desses
trastes que se fazem tão necessários quando se empreende uma pequena viagem,
junto com alguns objetos dos quais o Glaucus mais gostava.
A princípio, minha doce Ivanilde - cuja
memória sempre recordo com imensa saudade - nem se deu conta do que se passava.
Porém, a minha inusitada atitude despertou sua atenção - sempre fomos católicos
muito fervorosos - e, quando eu arrolhava um frasco que enchera de canha para
colocar na mala, indagou-me sobre o que sucedia. Respondi-lhe que ia levar
aquilo para o Glaucus, tendo ela anunciado: “O Glaucus não precisa mais disso”.
“Quem sabe?” - respondi, saindo porta afora. Tomei o ônibus e, de a pé, subi
lentamente a ladeira do cemitério. Um pouco mais de tempo far-me-ia bem. Nem vi
quem estava no local e fui logo me postar diante do ataúde do amigo.
Persignei-me, fiz uma confusa oração e me aproximei dele pela sua direita.
Observei que estava pilchado, de lenço branco ao pescoço e usando um
tiradorzito, que não é estranho para os que receberam a Verdadeira Luz. Encarei
sua face serena, coloquei minha mão sobre as suas e me preparei para
entregar-lhe a mala de garupa que preparara. Ao colocar a mão esquerda debaixo
do seu braço, percebi pressurosa ajuda de Nico e do Retamozzo, que, preocupados
comigo, logo que eu chegara, como me foi dito mais tarde, colocaram-se próximos
de mim. Soerguemos o querido amigo e colocamos a oferenda quase sob seu corpo.
Depois? Bem, mais tarde, quando já me aliviara do impacto que esses gestos me
causaram, ao me reaproximar do local, os mesmos de antes achegaram-se a mim e o
Retamozzo me perguntou, preocupado, se eu me lembrara da piorra. Disse-lhe que
sim. “E das bolitas?” - reagiu Nico. “Bah! Não é que me esqueci das bolitas?”.
“Pois vou buscá-las” - disse-nos o entristado alegretense afastando-se para
cumprir a missão a que se propusera.
Um dos cinco designados refugou, por
excesso de tristeza, a missão da qual lhe encarregara o ilustre desaparecido. A
alça que lhe incumbia apanhar foi assumida pelo então Vice-Governador Cláudio
Strassburger; e, deixando o anonimato, o robusto cavalariano Dida, que aqui
esteve conosco até há pouco, empunhou aquela que Glaucus, nos parece, deixara
vaga para ser ocupada por alguém humilde para representar aqueles os quais ele
sempre quis bem.
Eis aqui, senhoras e senhores, alguns dos
motivos que me fazem tão fragilizado, neste instante, pela emoção dupla da
saudade e do reconhecimento. O Glaucus Saraiva, que percorrera grande parte da
sua vida passando por diversas agruras, acabou encontrando certa estabilidade
nos seus últimos anos de vida, tempo que também lhe foi, e para nós, o mais
produtivo de todos, em todos os sentidos, menos no amor, que o levou
precocemente ao encontro da Estância do Infinito.
Conheces agora, meu caro amigo Reginaldo
Pujol, a razão pela qual, em circunstâncias análogas àquela que vivemos quatro
noites antes do passamento do nosso inesquecível amigo comum, eu apontaria na
tua direção para clamar: "Tu, também."
Preciso concluir. E mais uma vez
agradecido, despojado de condições para fazê-lo de forma retumbante, ouso,
rogando não me venha a ser necessário repeti-los adiante, na minha vida,
empregar os termos usados pelo Glaucus em extensa carta endereçada ao Nico, por
ele publicada no jornal A Hora, de 16 de março de 1955 e que demonstram à
exatidão a honradez que sempre o acompanharam em toda a sua vida, que é,
também, panache meu e que deve orgulhar o espírito de meu pai, Olívio Otto,
partícipe desta cerimônia em algum lugar desta sala: "A decência e a
retidão são do meu berço e por viver estrangulado na brocha desses dois canzis
é que até hoje não tenho onde cair morto”. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE (Elói Guimarães): Neste momento
convidamos todos os presentes a ouvirmos o Hino Rio-Grandense.
(Ouve-se o Hino Rio-Grandense.)
Agradecemos a presença de todos e damos
por encerrada a presente Sessão Solene.
(Encerra-se a Sessão às 19h26min.)
* * * * *